JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR
Para o senhor Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, “por trás do discurso de liberdade de expressão se difunde o ódio, o mal, a intolerância, o extremismo”.
Então, segundo o referido togado, se deve “equacionar o problema, para que a liberdade de expressão não seja destrutiva para a democracia”.
Para quem não sabe, ou não se lembra: essas palavras, ódio e mal, já andaram pela boca de Sua Excelência, esse mesmo senhor Barroso, numa sessão do STF, em que ele, não havendo digerido bem o palavrório de seu augusto colega Gilmar Mendes, sem tirar a toga, deixou de lado o que está escrito no seu papel e declamou de improviso, com voz melíflua, essa oração, desprovida de cortesia e amabilidades: “me deixa de fora desse seu mau sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso, com pitadas de psicopatia; vossa excelência destila ódio o tempo inteiro, tá sempre com raiva de alguém, tá sempre com ódio de alguém”…
Não, por favor, não estranhem. O senhor Barroso pode ter esquecido preceitos não escritos de deontologia judiciária, mas fez uso de um direito que a Constituição Federal lhe assegura: o da liberdade de expressão.
Agora, diante do ativismo apostólico dele em favor da regulamentação das redes sociais, surgem perguntas.
A “liberdade de expressão” que ele pretende restringir, reformular, filtrar através de novos conceitos e valores, será aquela liberdade de discursar contra quem “destila ódio o tempo inteiro, tá sempre com raiva de alguém, tá sempre com ódio de alguém”?
Quer ele que se ouça impropérios em cavalheiresco silêncio, para não parecer intolerante? Ou o proibido nas redes sociais seria só permitido em público?
Certamente o ministro, na cruzada que abraça, perseguindo, com um eufemismo chamado “regulamentação”, o direito à liberdade de expressão, esquece que sua atitude, gerada pela atitude de seu colega, partiu de outro direito sagrado e consagrado na Constituição: o da intimidade. Ferido no seu íntimo, ele se sentiu no direito de revidar.
O ódio e o mal, com ou sem atraso, sim, dão cordas ao direito de expressão, quando é ferido, magoado, vilipendiado o ego, onde se aninha o direito constitucional à intimidade.
O que as redes sociais fazem, outra coisa não é, senão mostrar a realidade desse fenômeno, que é ínsito à natureza animal. A lei de Talião foi revogada nas legislações, mas não no instinto, tanto de animais irracionais, quanto nos animais humanos, nem sempre inteiramente racionais.
O ser humano não mudou. O que mudou foi a tecnologia, desnudando-o, mostrando-o verdadeiramente como ele é. Dessa amostra, dessa nudez, querem fugir alguns homens públicos, para parecerem modelos de virtude e moral, se comportando como palmatória do mundo.
A plena liberdade de expressão, que viaja entre trêfegas lengalengas, falsos arroubos de erudição e penetrantes críticas, é da essência da democracia.
Ela não destrói a democracia, nem a democracia pode destruí-la. Não é o verbo que solinha a democracia, mas os abusos no exercício do Poder.