ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR
Não há necessidade de silêncio e luzes apagadas para começar o rebuliço. Basta ser qualquer noite calma para baixar o espírito dos pilotos de fórmula 1 nos gatos aqui de casa, no caso, as gatas, e são três em correrias pelos cômodos.
É divertido. Eu me divirto. Com gatos sempre temos envolvimento e interação. Do jeito deles, mas temos… em minutos acaba a algazarra e eles se aconchegam no colo da gente ou embaixo de um cobertor.
Quem já teve a companhia de um felino sabe que esses seres têm um jeito peculiar de se movimentar entre a realidade e o reino dos sonhos. Seus olhos, tão profundos quanto o universo, refletem uma sabedoria ancestral.
Às vezes, encaram o vazio com tanta intensidade que sugere certa conexão com o firmamento, como se estivessem decifrando os códigos do cosmos numa linguagem que escapa à compreensão humana.
Quando os gatos fixam o olhar em um ponto invisível, é impossível não se questionar sobre os mistérios que ele enxerga. E o que envolve essa situação calmamente estática.
Mas aqui em casa quando acontece de encararem o vazio imperceptível e invisível, pode ter certeza, lá no fundo daquele vazio, imperceptível e sinistro à compressão humana, encontra-se uma quieta e imóvel lagartixa.
Sua habilidade de detectar auras e energias sutis transforma cada gato em um ser espiritualizado, um intermediário entre o palpável e o etéreo.
Ao se aconchegar no colo de alguém, um gato parece absorver não apenas o calor físico, mas também a energia vital, como se fosse capaz de curar as feridas da alma.
Há poucos meses li sobre escritores e sua relação com as caminhadas*. Um livro interessantíssimo. Alguns só escreviam depois de longas caminhadas, e citei vários e, claro, me identifiquei com esse modus vivendi, pois também sou caminhante contumaz.
Recentemente li que “um escritor sem gato é como um cego sem guia”. E que há uma íntima relação entre escritores e gatos. Deve haver um fundo de verdade dada a natureza solitária e individualista dos gatos.
Consta que Borges falou sobre o seu fiel gato Beppo:“Ele faz o que quer, como eu”.
Charles Bukowski, Alexandre Dumas – não sei se o pai ou o filho –, Charles Dickens, Edgar Allan Poe, Ernest Hemingway, Julio Cortázar, Hermann Hesse, Jean-Paul Sartre e Patricia Highsmith. Todos tinham gatos como companhia.
Patricia vivia feliz com seus gatos. Com eles conseguia ter uma proximidade que não suportaria ter a longo prazo com as pessoas. Ela precisava de gatos como equilíbrio psicológico.
Enfim, os felinos são politicamente incorretos, seres de ninguém, amantes da noite, boêmios e independentes. Eles têm sido inspiração, solidão e companhia na vida dos escritores.
Temos muito que aprender com os gatos, sendo escritores ou não. E aprendermos com os escritores sendo caminhantes ou não.
Assim, os gatos continuam a nos surpreender com seu lado místico e sensitivo. São criaturas que captam o invisível e nos lembram de que, em meio às agruras do dia a dia, há um vasto universo de mistérios. Basta abrir os olhos, assim como os gatos, e permitir-se entrar nesse reino encantado que existe além do que podemos ver.
Não sei explicar, pode ser coincidência, mas ultimamente ando lendo escritores que caminhavam ou tinham gatos.
Pretendo afunilar o processo de leitura para escritores que caminhavam e tinham gatos. E com licença, que vou dar uma pernada na Pedra Grande, em São Pedro do Sul.
* No “Caminhar, uma filosofia” de Frédéric Gros, nos presenteia com uma coletânea de 25 ensaios que exploram a relação entre a caminhada e o pensamento. E contamos com exemplos de grandes filósofos, escritores e ativistas que fizeram da caminhada uma prática cotidiana. Nietzsche, Rousseau, Rimbaud, Thoreau, Gandhi, Kant e Nerval são alguns citados pelo autor.