Paralelo 29

Morre, aos 96 anos, Delfim Netto, ministro do governo militar na época do “milagre econômico”

Foto: Salu Parente, Câmara dos Deputados

Economista deixa filha e neto. Após anos com governos de direita, ele se aproximou da esquerda e apoiou Lula

Por Fabíola Sinimbú – Repórter da Agência Brasil – Brasília *

O economista e ex-ministro Antônio Delfim Netto morreu nesta segunda-feira (12), aos 96 anos, em São Paulo. Desde o último dia 5, ele estava internado por complicações de saúde, no Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista.

Em nota, a assessoria do economista informou que não haverá velório aberto e seu enterro será restrito à família. Delfim Netto deixa filha e neto.

Descendente de imigrante italianos, ele nasceu em São Paulo, em maio de 1928. Formou-se economista em 1951 pela Universidade de São Paulo (USP) e tornou-se catedrático em 1958.

Fez carreira acadêmica como professor titular de Análise Macroeconômica e recebeu o título de professor emérito pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (Fea-USP).

Foi membro do Conselho Consultivo de Planejamento (Consplan) do governo Castelo Branco, em 1965. Tornou-se secretário de Fazenda no governo de São Paulo em 1966.

Economista chancelou AI-5, que endureceu a ditadura

Foi um dos signatários do Ato Institucional número 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968. O decreto é considerado o mais duro após o golpe militar de 1964, e foi instituído durante o governo Gosta e Silva, para suspender direitos e garantias individuais.

Delfim Netto chegou a ministro da Fazenda em 1967, ainda no governo Costa e Silva, e ocupou o cargo até o governo Médici, encerrado em 1974.

Nos quatro anos seguintes, foi embaixador do Brasil na França e, em 1979, passou a integrar Conselho Monetário Nacional e comandou o Banco Central no governo Figueiredo.

Delfim foi deputado federal na Constituinte de 1987 a 1991 pelo Partido Democrático Social, sucessor da Arena. Posteriormente, elegeu-se cinco vezes deputado federal pelo estado de São Paulo e permaneceu representante na Câmara até 2007.

Da ditadura para conselheiro e apoiador de Lula

Conforme reportagem do sito Infomoney, especializado em cobertura econômica e mercado, Delfim Netto influenciou governos de direita e de esquerda no país.

A reportagem relata que, com o fim do regime militar, acabou também a carreira de Delfim no ministério, o que o fez se “reinventar politicamente”.

Assim, a partir de 1986, foi eleito deputado federal por ino vezes consecutiva, a primeira delas omo constituinte. A partir daí, exerceu “maior ou menor influência em praticamente todos os governos desde então. Passou pelo PDS, herdeiro da Arena, partido que deu sustentação ao regime militar, e seus sucessores, PPR, PPB e o atual Progressistas (PP). Mais recentemente, pelo PMDB, tual MDB.

Paralelamente à carreira política, criou uma consultoria, em São Paulo. No governo do peemedebista José Sarney (1985-1990), outro egresso da Arena, Delfim foi crítico do Plano Cruzado, que ele considerou “o maior estelionato eleitoral de que se tem notícia”.

Em 1989, apoiou Fernando Collor de Mello (do extinto PRN), mas sempre negou que tenha sido consultado sobre o desastroso confisco da poupança. Já no governo Itamar Franco, que sucedeu Collor de Mello, Delfim passou a chamar o novo mandatário de “o melhor presidente”, principalmente depois do Plano Real, que acabou com a inflação.

Nos governos do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), Delfim foi crítico da política cambial adotada pelo PSDB por manter o Real sobrevalorizado durante todo o primeiro mandato, e das altas taxas de juros.

Ainda em 1998, segundo o Infomoney, o ex-ministro começou uma aproimação com o atual presidente Luiz Inácio Lula da Sila (PT), ano em que o petista disputou sua terceira eleição presidencial. Delfim conhecia Lula desde a década de 70 e o consideraa um grande negociador.

Após décadas em campos opostos, na campanha de 2002, a primeira eleição de Lula, Delfim abriu voto para o petista no segundo turno, repetindo o ato em 2006, quando Lula foi reeleito. Na época, chegou a ser cotado para virar ministro novamente.

Em 2008, o ex-ministro afirmou que “Lula salvou o capitalismo brasileiro”. Mais tarde, durante os processos contra Lula na Operação Lava Jato, Delfim Netto comemorou a liberação do petista para que pudesse ser candidato.

“O Lula tem sido objeto de uma perseguição ridícula. O governo dele foi bastante bomDeixemos o Lula ser candidato. Se for a vontade do povo, e com o meu voto, ele voltará à Presidência”, dissse em uma entrevista à Radio Bandeirantes.

Os deputados Delfim Netto (PDS-SP), Amaral Netto (PDS-RJ) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) conversam durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte/Foto: Senado Federal

O QUE FOI O MILAGRE ECONÔMICO

O forte crescimento da economia do país no período conhecido como milagre econômico, ocorrido no final dos anos 1960 e início dos 1970, durante a ditadura militar, ganhou destaque graças aos índices de crescimento obtidos pelo Produto Interno Bruto (PIB).

No entanto, a riqueza gerada não foi distribuída igualmente entre os setores da economia. Para aqueles que viviam de salário mínimo, por exemplo, o período representou um retrocesso.

“Nos anos 60 e 70, houve uma retomada do investimento público em infraestrutura, apoio ao processo de industrialização, combinado muitas vezes com restrições ao crescimento do salário, especialmente do salário mínimo. Portanto, um contingenciamento do crescimento de base na economia, favorecendo uma formação de preços sem pressão de custo de salário”, destacou o então diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz, em reportagem da Agência Brasil assinada pelo repórter Bruno Bocchini epublicada em março de 2014

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1960, 20% dos brasileiros mais pobres detinham 3,9% do total da renda nacional. Vinte anos depois, em 1980, 20% da população mais pobre concentravam apenas 2,8% da renda produzida no país.

“O período do milagre econômico é um período de forte concentração de renda, tanto é que nesse período você tem a famosa frase que se atribui ao Delfim [Netto, ex-ministro da Fazenda] de que é preciso crescer para depois distribuir. Mas nós só conseguimos desconcentrar a renda a partir de meados do ano 2000”, destacou Clemente.

Segundo o professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), Manuel Enriquez Garcia, as reformas econômicas feitas nos primeiros anos da ditadura militar, nos anos de 1964 a 1968, foram os principais fatores para a criação de um ambiente favorável ao chamado milagre econômico, nos anos de 1968 a 1973.

“Foi a única ocasião em que se realizaram reformas de peso, do ponto de vista econômico. Reformas importantíssimas. Foi criado o Banco Central, a lei que gere todo o Banco Central e o Sistema Financeiro Nacional. Foi criado todo o mercado de capitais, todo o sistema tributário”.

No entanto, em 1974, após o chamado milagre econômico, o salário mínimo tinha a metade do poder de compra de 1960.

Em contrapartida, nos anos do milagre (1968 a 1973), a taxa de crescimento econômico ficou em torno de 10%, com picos de 14%. A indústria de transformação cresceu quase 25%.

Entre 1965 e 1974, o salário mínimo manteve, no entanto, na média anual, apenas 69% do poder aquisitivo de 1940.

Confira o especial: Democracia Interrompida

“Na verdade, houve um aumento da receita do Estado, um aumento da receita do capital e uma queda na receita do trabalho”, destaca o diretor do Dieese.

“Houve, muitas vezes, críticas de que teria havido uma concentração de renda por conta da política salarial. Mas o fato é que os setores de bens duráveis – geladeiras, televisores – cresceram muito. E os setores de bem de capital – máquinas e equipamentos – e de bens intermediários cresceram muito também. Isso acabou criando um mercado interno muito forte, que ajudou muito o crescimento econômico”, ressalvou o professor da USP.

O país ficava mais rico, mas boa parte da população não era beneficiada na mesma proporção. De acordo com o professor, a política salarial do regime procurava não dar aumentos salariais acima dos ganhos de produtividade. Apenas recompunha as taxas de inflação passadas. À classe trabalhadora, por exemplo, restaram poucas oportunidades.

“Só alguns setores, em função da falta de mão de obra mais especializada, passaram a pagar salários bem acima da taxa de inflação. Mas foi pela necessidade imperiosa do setor industrial em demandar uma mão de obra mais qualificada.”

Além da concentração de renda, o país passou a enfrentar problemas com o choque do petróleo, em 1973: “Os problemas começaram a surgir, ligados à dívida pública do ponto de vista interno e do ponto de vista externo”, ressaltou o professor da USP.

Terminado o ciclo do milagre, a economia do país ingressa nos anos 1980 e 1990 profundamente debilitada para conduzir qualquer estratégia de investimento, o que agrava a capacidade de crescimento.

“A debilidade de estado era sempre fragilizada pelas crises internacionais, todas elas fragilizavam a nossa economia. As contas públicas eram prejudicadas pelo déficit que nós tínhamos em conta corrente, pelo valor de nossa dívida externa”, destacou Clemente.

(* Com reportagem de Bruno Bocchini – Repórter da Agência Brasil – São Paulo sobre o milagre econômico, publicada em 31 de março de 2014)

    

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