Religiosa que viveu 37 anos em Santa Maria avalia primeiro ano de missão na África disposta a permanecer por mais dois anos
JOSÉ MAURO BATISTA – PARALELO 29
Aos 73 anos completados neste domingo, 29 de setembro, irmã Lourdes Dill está prestes a fechar um ano de missão em Moçambique, na África, no próximo dia 7 de outubro.
Nesta segunda-feira (30), o primeiro grupo de missionários da missão Católica comemora o primeiro ano de chegada ao país africano. A missão é de dois anos, em princípio.
Em um ano de presença em Moçambique, irmã Lourdes Dill avalia o aprendizado e as dificuldades encontradas em um país extremamente pobre e carente de políticas públicas.
Em entrevista exclusiva ao Paralelo 29, a ex-coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança diz que quer “viver o momento com alegria e saúde” e reitera o que disse ao site no ano passado: quer ficar mais dois anos no continente africano.
Atualmente, além das atividades de evangelização, irmã Lourdes e outros missionários estão realizando uma campanha para construir um poçoco artesiano na comunidade onde vivem.
Missão cumprida em Santa Maria
Sobre um possível retorno a Santa Maria, cidade em que viveu 37 anos e onde construiu e solidificou um projeto de economia solidária que deu à cidade destaque nacional e internacional, irmã Lourdes não tem uma expectativa. Para ela, sua missão no Coração do Rio Grande foi cumprida, e agora, outros povos precisam dela.
“Já dei para Santa Maria muito trabalho e dedicação. Agora, outros povos, religiões e culturas precisam e merecem minha presença e atuação”, diz irmã Lourdes.
Apesar da distância, irmã Lourdes continua atenta às notícias do Brasil, do Rio Grande do Sul e, especialmente, de Santa Maria. Ela também mantém contato com pessoas que conheceu em Barra do Corda, no Maranhão, sua última morada no Brasil antes de ir para a África.
Transferência contestada
A transferência de irmã Lourdes para o Maranhão foi anunciada no final de 2021 pelo arcebispo metropolitano dom Leomar Brustolin.
Houve protestos e tentativas de organizações locais de reverter a decisão, que, segundo o chefe da Igreja Católica na região, partiu da Congregação Filhas do Amor Divino, à qual a freira pertence. Assim, irmã Lourdes partiu para Barra do Corda, Diocese de Grajaú, em 2 de maio de 2022, onde ficou menos de um ano e meio antes de partir para Moçambique.
Embora nunca tenha manifestado qualquer inconformidade publicamente, irmã Lourdes tinha pretensões de seguir com seu trabalho no Projeto Esperança/Cooesperança, que levou Santa Maria a se tornar a Capital da Economia Solidária na América Latina.
Tanto que, pouco tempo antes do anúncia de sua transferência, ela foi tema de uma reportagem do Globo Repórter, da Rede Globo, exibido para todo o Brasil.
“Eu quero chegar aos 130, que Deus me dê essa graça, trabalhando no Feirão, de bengala”, disse irmâ Lourdes ao repórter Cristiano Dalcin.
Irmã Lourdes recebe apoio no embarque para a África
A MISSÃO NA ÁFRICA
- A Comunidade Luz da Aurora é formada por quatro irmãs: Ilca Welter, Lourdes Dill, Maria Madalena Andrade e Rita Lori Finkler, todas gaúchas e pertencentes à Congreção Filhas do Amor Divino
- O primeiro grupo chegou a Moçambique em 30 de setembro de 2023; o segundo, no qual estava irmã Lourdes Dill, chegou ao país em 7 de outubro de 2023
- As missionárias participam de ações de evangelização da Igreja Católica e de campanhas e projetos da comunidade local
- A Missão tem dois anos de duração
Irmã Lourdes e outros religiosos se preparam para missão na África
ENTREVISTA COM IRMÃ LOURDES DILL
“AQUI, O POVO EVANGELIZA”
Paralelo 29 – Como a senhora avalia o primeiro ano da Missão em Moçambique?
Irmã Lourdes Dill – O primeiro ano foi de muito e grande aprendizado. Antes de vir para Missão fizemos um curso de Inculturaçáo em Brasília durante 15 dias para conhecer um pouco mais a realidade. Aqui aprendemos tudo na prática junto com o povo, que é alegre, hospitaleiro, generoso, resistente, acolhedor e tem um grande espírito de partilha. É um povo de muita fé e religiosidade popular e as celebrações são sempre muito animadas e alegres. O povo africano prima e valoriza muito sua cultura. Aqui, o povo nos evangeliza.
Paralelo 29 – Quais as principais dificuldades que a senhora e os demais missionários enfrentaram nesse primeiro ano?
Irmã Lourdes Diil – As maiores dificuldades foram conhecer o jeito, a cultura e a realidade do povo moçambicano. Os desafios da língua macua, cujo aprendizado é lento. Praticamente só há estrada de chão, há distância entre as comunidades. E ver, sentir e acompanhar a pobreza extrema do povo, que vive com pouco, não acumula, e mesmo assim é um povo alegre e de muita resistência. Também há falta de políticas públicas em todos os setores. Muitas pessoas caminham quilômetros a pé para as reuniões, celebrações e outras atividades.
De malas prontas para missão na África, irmã Lourdes vai à Prefeitura reforçar Feicoop
“O POVO VIAJA DE CHAPA. JÁ TIVE OPORTUNIDADE DE VIAJAR DE CAMINHÃO, UMA VIAGEM DE CINCO HORAS”
Paralelo 29 – A senhora já viajou para outras regiões do pais?
Irmã Lourdes Dill – Vivemos bem no interior, o que dá em torno de 200 quilômetros da sede da Província, que é Mampula. Fizemos outras viagens, mais neste território que abrange nossa Missão e toda redondeza. Aqui, um dos desafios é o transporte, o povo viaja de chapa. Alguns têm bicicleta e uma minoria é motorizada, com motos. Ja Tive a oportunidade de viagem de caminhão para um encontro da Juventude com a duração de mais de cinco horas de viagem.
Paralelo 29 – A senhora continua acompanhando as notícias de Santa Maria? Nesse período longe daqui o que mais lhe marcou?
Irmã Lourdes Dill – Sim, continuno acompanhado Santa Maria, o Rio Grande do Sul e o Brasil, especialmente pelas redes sociais e por meio das notícias que nos enviam de diferentes origens. Teria muitas coisas para destacar, mas faço o destaque a duas situações principais: as grandes enchentes do RS e de toda a região de Santa Maria, que nos irmanaram junto com o povo daqui, em oração e energias positivas, a única forma de ajudar, pois aqui, pela pobreza do povo, não é possível fazer campanhas com essa finalidade. O que impressionou foi o grande impacto e a força gigantesca da solidariedade de todas as pessoas, entidades, organizações e poder público nas três esferas. O Brasil, como nunca, e o mundo, se tornaram gigantes na solidariedade e na partilha. A outra grande marca deste ano foi a celebração dos 30 anos da Feicoop, apesar de todos os desafios e as consequências das enchentes. Sáo 30 anos de uma longa, bela e profética história construída a muitas mãos.
Paralelo 29 – A Feicoop significa muito para a senhora…Como a senhora define esse significado?
Irmã Lourdes Dill – Ajudei a preparar 27 Feiras e na trigésima edição não pude estar pela distância e pela Missão. Sou muito grata a Deus e a todas as pessoas que ajudaram a construir esta bela história. Gratidão ao Projeto Esperança/Cooesperança da Arquidiocese de Santa Maria, à UFSM, Prefeitura Municipal, Instituto Farroupilha, Emater, Câmara de Vereadores e deputados pelas emendas parlamentares, à grande multidão dos voluntários e voluntárias, consumidores, apoiadores, visitantes e todos os veículos de comunicação e as redes sociais. Agradeço também a todas as equipes que ajudaram a organizar a Feicoop desde o longínquo 1994, ainda no século passado. Esta história vai se consolidando e os princípios e a metodologia da organização da Feicoop construímos juntos ao longo da história inspirada na metodologia do Fórum Social Mundial, com processos participativos, autogestionários, numa visão transformadora de que um outro mundo é possível. Por estas práticas participativas a Feicoop se tornou a prática de ser uma feira aprendente e ensinante.
Paralelo 29 – E com a Diocese de Grajaú a senhora mantém contatos?
Irmã Lourdes Dill – Com a Diocese de Grajaú mantenho contato com pessoas amigas e recebo notícias especialmente nos grupos sociais e pastorais que pude ajudar pelo pouco tempo de um ano e três meses que fiquei no Maranhão. Foi uma experiência muito bonita com a comunidade das Irmãs Filhas do Amor Divino Maria a Caminho, o pároco padre Lamartini, os catadores do Lixão de Barra do Corda, as várias culturas Indígenas, artesãos e muitas pessoas amigas que ficam na minha memória e amizade. Sinto-me unida com eles pela amizade, sintonia e gratidão.
Antes de ir para a África, irmã Lourdes recebe homenagem em Santa Maria
“COMO VAI SER NO SEGUNDO ANO AINDA NÃO SABEMOS”
Paralelo 29 – Como está projetado o segundo ano da Missão? Novas tarefas, uma nova etapa da evangelização?
Irmã Lourdes Dill – Seguiremos com muito aprendizado construído e partilhado. Como vai ser a partir do segundo ano ainda não sabemos, mas o certo é que vamos continuar fortalecendo o que já participamos e também investindo em novas iniciativas en trabalhos coletivos, meio ambiente, agricultura familiar e economia solidária. Entre muitas atividades pastorais deu muito certo o atendimento à saúde alternativa de muitos pessoas que buscam remédios alternativos, grupo significativo de crianças para alfabetização e reforço escolar, trabalho com mulheres, atividades interativas na escola, além de todas as atividades pastorais e participação em conselhos, reuniões de formação, visita às comunidades e celebrações.
“ESTOU DECIDIDA POR MAIS DOIS ANOS”
Paralelo 29 – No ano passado, a senhora disse ao Paralelo 29 que pretendia ficar mais dois anos em Moçambique. A senhora mantém essa disposição?
Irmã Lourdes Dill – Ao chegar no final do primeiro ano me sinto feliz e realizada nesta nova experiência e nova Missão. Ficaremos mais um ano, e quando completar dois anos, vamos nos altenar para ir em férias para o Brasil. Eu, pessoalmente, estou disposta e decidida por mais um período de dois anos.
‘QUERO VIVER BEM O TEMPO PRESENTE”
Paralelo 29 – Para onde a senhora será transferida depois de encerrada a Missão na África?
Irmã Lourdes Dill – O futuro a Deus pertence. Quero viver com alegria, dedicação e profecia todo tempo que me for concedido viver, trabalhar e desempenhar minha missão de missionária aqui em Moçambique. O tempo também está nas mãos de Deus. Quero viver bem e com alegria , fé e saúde o tempo presente e o agora que está nas mãos da gente.
Paralelo 29 – Seu retorno a Santa Maria está no horizonte? A senhora gostaria de retomar o trabalho local na Feicoop?
Irmã Lourdes Dill – Sobre este futuro também a Deus pertence. Morei 37 anos em Santa Maria, dos quais dediquei 35 anos jovens da minha vida para os projetos Sociais da Arquidiocese de Santa Maria, entre os quais o Projeto Esperança/Cooesperança, Feicoop, Feirão Colonial e muitos outros. Já dei para Santa Maria muito trabalho e dedicação. Agora, outros povos, regiões e culturas precisam e merecem minha presença e atuação.
Paralelo 29 – Como a senhora avalia o atual momento e o futuro do Projeto Esperança/Cooesperança, da Economia Solidária e da Feicoop em Santa Maria?
Irmã Lourdes Dill – Avalio de forma muito positiva todo trabalho e continuidade do Projeto Esperança/Cooesperança, a equipe colegiada, os setores e segmentos, as comissões, associações, parceiros, apoiadores e o grande número de fiéis consumidores dos produtos das feiras. Criamos ao longo da história metodologias participativas autogestionárias numa vista transformadora.