Histórica rivalidade tem sido avaliada pelos eleitores na comparação de governos de ambos os partidos na cidade. Editor do Paralelo 29 e cientista político da UFSM foram ouvidos pela reportagem do Sul 21
LUCIANO VELEDA – SUL 21
Os eleitores de Santa Maria escolherão no dia 27 de outubro o novo prefeito que governará a cidade de 2025 até 2028. De um lado, Valdeci Oliveira (PT) busca voltar à prefeitura pela terceira vez. De outro, o atual vice-prefeito Rodrigo Decimo (PSDB) quer também um terceiro mandato para os tucanos. A disputa entre os dois revive os grandes embates protagonizados por PT e PSDB entre 1994 e 2014, quando ambos os partidos dominaram a cena política nacional.
Desde então, muita coisa mudou para os dois partidos. O PSDB viu seu capital político derreter desde quando apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, enquanto os petistas sofreram grande desgaste com casos de corrupção e a Operação Lava Jato, porém conseguiram retornar ao Palácio do Planalto com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022.
Na cidade, disputa se acirrou a partir de 2016
Experiente observador da cena política de Santa Maria, o jornalista José Mauro Batista recorda que a disputa entre o PT e o PSDB se intensificou na cidade a partir de 2016, ano da primeira eleição local com segundo turno.
Naquela ocasião, Jorge Pozzobom (PSDB) e Valdeci Oliveira (PT) protagonizaram a disputa, com a vitória do candidato tucano (que depois seria reeleito em 2020).
“Foi o segundo turno mais disputado do Brasil. A diferença de votos a favor do candidato do PSDB foi de 226 votos”, recorda Batista.
Na reeleição de Pozzobom em 2020, a disputa foi contra Sergio Cecchin (PP). Naquela eleição, o candidato do PT ficou em terceiro lugar e o eleitor petista foi decisivo para garantir a vitória de Pozzobom, com Rodrigo Decimo (PSDB) como vice-prefeito – o mesmo que agora está no segundo turno.
Antiga Polarização segue viva
Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), José Carlos Martines destaca que, em Santa Maria, a antiga polarização entre PT e PSDB segue viva.
Para ele, cada município apresenta um padrão de competição e, em Santa Maria, avalia que há uma presença grande da esquerda, que se expressa também nos seis vereadores deste campo político eleitos neste ano, sendo quatro do PT, um do PSOL e um do PCdoB.
Em contraponto, diz que o PSDB igualmente demonstra força política na cidade, com gestões bem avaliadas no comando da prefeitura nos últimos oito anos.
“Acho que tem que considerar isso. Ele ficou dois mandatos, uma pessoa conhecida na cidade, isso conta bastante, é um sobrenome conhecido na política local”, pondera Martines, referindo-se ao atual prefeito Jorge Pozzobom, que tenta emplacar seu sucessor.
Situação distinta
O professor da UFSM ressalta que o segundo turno em Santa Maria apresenta uma situação interessante por não se caracterizar exatamente por uma disputa da esquerda versus direita, já que a candidata do PL de Bolsonaro, Roberta Leitão, ficou em terceiro lugar e ainda houve a candidatura do Novo representando a direita na eleição.
“O candidato do PSDB sempre fala que não é nem de esquerda e nem direita. Ele não tem atacado muito o Valdeci diretamente e também não tem feito um discurso de direita, tem feito um discurso bem de centro, muito focado nas questões da cidade”, explica, destacando que o segundo turno proporciona ao eleitor uma disputa e um debate mais qualificado entre os dois candidatos.
“Para o eleitor, acho que é melhor você ter agora duas opções. O debate fica mais mais fácil de entender”, afirma.
Forças de peso
Ele ressalta que as muitas candidaturas no primeiro turno dividiram os votos da direita, da esquerda e do centro.
“Santa Maria tem um padrão de competição política bastante interessante porque tanto a direita é forte e ativa, quanto a esquerda também é bastante forte e ativa. Então acho que são duas forças de peso.”
Ao considerar o contexto do desempenho do PT em nível nacional, abaixo do que já foi em outra época, Martines diz que a eleição em Santa Maria é importante para o PT gaúcho.
A eleição de Valdeci, nesse sentido, pode ser uma vitrine numa cidade de porte médio do Rio Grande do Sul. Para o PSDB, a situação é semelhante.
Desde que apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, o partido tem ficado mais enfraquecido a cada eleição.
Em São Paulo, histórico reduto tucano durante mais de 20 anos, o partido conquistou apenas 23 prefeituras na eleição deste ano. No RS, entretanto, além de Santa Maria, disputa o segundo turno em Caxias do Sul.
“Tem uma particularidade no Estado que se distancia da realidade nacional. No Rio Grande do Sul, quer queira ou não, o PSDB tem o governo estadual e uma liderança que busca se projetar a nível nacional. Aqui o partido ainda mantém uma relevância que já não tem em outros estados”, analisa.
O retorno de Valdeci
Com longa história na política de Santa Maria, tendo sido vereador e prefeito por duas vezes, de 2001 a 2008 (reeleito numa época em que ainda não havia segundo turno na cidade), deputado federal e atualmente deputado estadual, Valdeci Oliveira busca agora a oportunidade de voltar a comandar a prefeitura pela terceira vez.
Na atual disputa, ele tem como candidato a vice-prefeito o médico José Farret (União Brasil), um personagem bastante conhecido, também com longa trajetória política na cidade.
Farret foi três vezes prefeito de Santa Maria, tendo sido eleito em duas oportunidade (1983-1988 e 1993-1996) e, na terceira, assumiu a prefeitura entre agosto e dezembro de 2016, quando era vice-prefeito de César Schirmer (MDB).
“Historicamente, ele foi adversário do Valdeci e do PT, inclusive com disputas bastante acirradas. É uma aliança que alguns estranham, pelo fato deles terem sido adversários. Até mesmo dentro do PT causou uma estranheza, mas hoje, pelo que a gente vê, está bem assimilado, pelo menos publicamente”, avalia o jornalista José Mauro Batista, lembrando que, no passado, Farret foi ligado à Arena, partido de apoio aos governos militares que depois se transformou no antigo PDS e, hoje, é o atual PP.
“É uma chapa que, no espectro ideológico, é um tanto estranha, mesmo que o União Brasil de Santa Maria seja na contramão do União Brasil nacional, porque aqui o partido é de centro esquerda, pelo menos na direção. Mas é uma mistura porque reúne aquele pessoal que veio da Arena, do PDS, da direita, junto com o Farret, mas que não fazem o perfil antipetista, ou se foram, hoje não são e dialogam tranquilamente”, explica.
Para ele, entretanto, é difícil mensurar o real benefício eleitoral que a aliança com o grupo de Farret está dando à campanha de Valdeci Oliveira.
Ao mesmo tempo, Batista destaca que, em Santa Maria, o candidato petista é “maior do que o PT”, ou seja, atrai eleitores que não são petistas ou alinhados com os ideais da esquerda.
“O Valdeci tentou reproduzir em Santa Maria e o que o Lula fez em nível nacional. Essa mistura com o União Brasil, com o PSD, uma frente ampla. O Valdeci justifica a aliança com o União Brasil porque o partido está no governo federal”, afirma.
Sobrevivência tucana
O candidato do PSDB, Rodrigo Decimo, é um empresário com trajetória fora do meio político-partidário, tendo sido presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Santa Maria (Cacism), a maior entidade empresarial da cidade. Antes de concorrer neste ano como candidato tucano, Decimo passou pelo PSL e o União Brasil, mas sem grande militância partidária.
Para o jornalista José Mauro Batista, o atual vice-prefeito adota um perfil semelhante ao do governador Eduardo Leite (PSDB), apresentando-se como alternativa entre dois polos, a chamada “terceira via”.
“O segundo turno está no comparativo entre às administrações do PT, do próprio Valdeci no município, com os atuais dois governos do PSDB”, diz Batista, destacando temas como iluminação, postos de saúde e asfalto das ruas. Os buracos na cidade são temas centrais da disputa.
“O PSDB está defendendo o legado das duas últimas gestões e o PT está defendendo o legado das duas gestões do início do século. É isso que está em jogo agora.”
Cidade conservadora
Batista avalia que Santa Maria é, no geral, uma cidade conservadora, ainda que tenha elegido por duas vezes um candidato do PT.
Na eleição deste ano, a candidata bolsonarista foi a vereadora Roberta Leitão (PL), que ficou em terceiro lugar na disputa, com 26.838 votos (18,61%).
Durante a campanha, o ex-presidente Jair Bolsonaro esteve na cidade dando apoio a ela. Conhecida por suas posições extremistas, logo após ser derrotada, Roberta anunciou que não apoiará o PT no segundo turno.
Discurso despolarizado
Para enfrentar a espécie de frente ampla da chapa de Valdeci Oliveira, o candidato tucano Rodrigo Decimo (PSDB) fez um discurso crítico à polarização entre PT (Lula) e PL (Bolsonaro), acomodando um discurso de direita em direção ao centro político.
Batista avalia que Decimo não pode ser visto no segundo turno como um candidato “bolsonarista”, embora deva herdar os votos que foram de Roberta Leitão, sendo que parte deles encarnam o antipetismo.
“Não sei quanto dos 26 mil votos dela vão ser transferidos para o Decimo, não tem como a gente mensurar isso, mas a tendência é de que boa parte dos votos dela migrem para o candidato do PSDB”, afirma.
O jornalista acredita que o mesmo deve ocorrer com os votos do candidato do Novo e do MDB.
Abstenção na ponta do lápis
No lado do PT, o PDT tem se mantido neutro no segundo turno, enquanto o PSOL anunciou apoio a Valdeci Oliveira – o candidato do partido, todavia, fez uma votação muito baixa no primeiro turno.
Como tem sido em todo o Brasil, a alta abstenção também foi personagem no primeiro turno em Santa Maria, quando 57 mil eleitores não foram votar.
A disputa por esse grande contingente de votos tem sido importante nas estratégias de ambas as campanhas no segundo turno. A diferença do PT para o PSDB foi de 21 mil votos no primeiro turno.
“O PSDB vai ter que tirar esses 21 mil votos e um pouco além, porque os dois tendem a crescer”, projeta Batista.
Voto empoderado da direita
O professor Martinez ressalta que, atualmente, o voto da direita brasileira está empoderado, algo que não ocorria nos anos de 1980 e 1990, quando esse voto era mais envergonhado, mudança expressa na eleição de Jair Bolsonaro em 2018. A agenda da direita se tornou muito popular.
“Sempre houve uma direita, a UDN do passado, a Arena, sempre foi um campo fortalecido no Brasil, mas atualmente é interessante observar que eles estão mais visíveis, empoderados e não têm vergonha nenhuma de se dizer de direita”, analisa.
Diante deste quadro, o professor acredita que o voto antipetista e o voto da candidata Roberta Leitão (PL) no primeiro turno irão agora para o candidato do PSDB. “O inimigo número um desse grupo é o PT.”
Por isso, ao considerar a quantidade de votos de direita que escolherão outro candidato no segundo turno, ele acredita que a eleição está aberta, mesmo com o candidato petista tendo conquistado 40,63% dos votos no primeiro turno, contra 25,86% do seu adversário. O segundo turno, projeta o professor da UFSM, será uma disputa parelha em Santa Maria.