Paralelo 29

SOTEIA: Conheça a história da casa mais antiga de Santa Maria, hoje em ruínas

Foto: José Mauro Batista, Paralelo 29

Solar dos Niederauer faz parte do imaginário santa-mariense e inspirou lendas urbanas ao longo dos séculos

JOSÉ MAURO BATISTA – PARALELO 29

Quem passa pela Rua Venâncio Aires número 669, no Bairro Passo D´Areia, na região Centro-Oeste de Santa Maria, depara-se com ecombros de uma edificação tapados pelo matagal. São as ruínas da Soteia, considerada a casa mais antiga do Coração do Rio Grande e um local marcado por histórias e lendas urbanas.

Conhecida como Casa dos Niederauer ou Solar dos Niederauer, a residência da qual resta apenas um amontado de pedras e alguns restos de parede pertenceu à família do coronel João Niederauer Sobrinho, militar e político santa-mariense de origem alemã que lutou e tombou na Guerra do Paraguai.

Há mais de uma versão sobre a construção da Soteia e sobre a data em que o solar teria sido construído. Uma delas aponta que a construção ocorreu entre 1840 e 1850 pela família Winck, também de origem alemã, que instalou um curtume no local. Mais tarde, teria sido vendida aos Niederauer.

Há outra versão, que é a mais aceita, de que a Soteia foi construída na década de 1860. Essa versão teria como base histórias contadas por descedentes dos Niederauer.

Entre uma e outra versão, não se sabe, ao certo, se o coronel Niederauer morou ou mesmo se ele chegou a conhecer a residência, já que estava constantemente no campo de batalha. O solar teria sido construído por João Frederico Niederauer, tio, padrinho e sogro do coronel.

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A carta que nunca chegou a seu destinatário

Desenho enviado com a carta escrita por Teodoro Poetcche em 1º de janeiro de 1969 e enviada ao Coronel João Niederauer Sobrinho, que já havia morrdo no Paraguai/Reprodução Arquivo Histórico

Uma carta, que é considerada um documento histórico, reforçaria a tese de que o coronel Niederauer pode ter testemunhado o início da construção, mas não chegou a ver a Soteia construída nem morado nela.

Datada de 1º de janeiro de 1869, uma carta escrita pelo professor Teodoro Poetcche foi enviada com um desenho da Soteia concluída ao militar, no Paraguai. Seria a prova de que o coronel não chegara a ver a casa pronta.

A carta e o desenho nunca chegaram a ele, pois Niederauer Sobrinho havia tombado em batalha, alvejado com uma lança, em 13 de dezembro de 1868, portanto, dias antes da correspondência chegar ao seu destino. O material foi devolvido à família com outros pertences.

Esse fato reforça a segunda hipótese, de que a casa teria sido construída entre 1864 e 1868 e que o coronel Niederauer não chegou a conhecer o solar finalizado.

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Inspiração para histórias e lendas urbanas

Sede de uma extensa fazenda que começava no Passo D´Areia e ia até o Passo da Ferreira (atual campus da Ulbra), fechando na Caturrita, a Soteia foi um marco histórico na cidade.

Sua arquitetura diferenciada, com oito colunas na frente e um mirante (açoteia, daí o nome Soteia), e suas 32 peças, teria influência em casas das haciendas (fazendas) uruguaias. Por isso, seu estilo seria único na região, reforçando seu valor histórico e arquitetônico.

O nome Soteia é uma variante de açotéia, do árabe assuthaiha, que significa cobertura ladrilhada sobre edificação. Assim, o nome está associado ao terraço da edificação.

Ao longo dos séculos, a Soteia inspirou a imaginação e deu origem a lendas urbanas. Uma das mais famosa é a de que o imperador Dom Pedro II teria se hospedado no solar em 1865.

O professor e arquiteto José Antônio Brenner, que faleceu em fevereiro do ano passado, afirma que o imperador nunca esteve em Santa Maria. Brenner, inclusive, diz que se a história foi inventada para valorizar a construção, acabou tendo efeito contrário.

“Se houve a intenção de acentuar o valor histórico da Soteia, o efeito foi adverso, porque a constatação de tal falsidade enfraqueceu e desencorajou tenttaivas isoladas de promover seu tombamento”, diz o professor no livro “Imigração Alemã – A Saga dos Niederauer”* (veja no rodapé da reportagem)

Alguns acreditam que, no seu apogeu, o Solar dos Niederauer foi palco de acaloradas reuniões políticas com embates sobre a conjuntura da época marcada pela Abolição da Escravatura (1888), Guerra do Paraguai (1864-1870) e a Proclamação da República (1889).

Outros acreditam que a Soteia se tornou famosa por elegantes festas e saraus que reuniam a elite santa-mariense da época. Uma dessas confraternizações poderia ter ocorrido na virada de 1868 para 1869 sem que a família soubesse que o coronel Niederauer havia tombado na guerra.

Passando, depois, por um estigma de local “mal assombrado” que marca casarões antigos.

Endereço vira Casa Nacional a partir de 1946

A casa pertenceu à família Niederauer até 1946 e lá viveram a viúva do coronel Niederauer, Catharina, e os filhos, juntamente com o patriarca João Frederico.

Nesse período, com quase um século de existência, a casa já apresentava alguns sinais de deterioração.

Os herdeiros venderam o antigo solar ao comerciante Frederico Guilherme Schereschewsky, que fez uma reforma e lá instalou a Casa Nacional, um estabelecimento de produtos variados bastante popular na região.

Já no início dos anos 90, na década final do século passado, a Soteia passou a pertencer a Ney Schereschewsky e Inah Schereschewsky Stoever.

“Era enome e havia muito tecido lá”, diz escritor que visitou a casa

O escritor e cronista Athos Miralha, que mora em Santa Maria, é uma das pessoas que teve o privilégio de conhecer o antigo casarão por dentro.

Athos relembra que a visita ocorreu nos anos 70, quando ele era criança. Seus pais tinham um conhecido que era vizinho da Soteia e eles foram visitar um casal que morava na casa na época.

O escritor lembra um pouco da peça em que ficaram, uma extensa varanda, onde havia muito tecido espalhado.

“Já faz mais de 50 anos, eu nem lembro direito. Mas os tecidos devem ser da época em que a Soteia foi uma casa comercial, um armazém”, diz o escritor.

TV Ovo produziu reportagem em 2011

Em conteúdo produzido pela TV Ovo e postado no Yoube em agosto de 2011, o professor de História Gilberto Niederauer fala sobre a casa histórica. Ele afirma que o solar foi erguido com mão de obra escrava e lamenta que o local tenha virado ruína.

Segundo o professor, a Soteia passou por dois processos de tombamento, um em 1973, e outro, em 1984. No entanto, nunca houve um interesse do Poder Público de recuperar o espaço.

Segundo consta no livro “Apontamentos sobre a história da arquitetura de Santa Maria”, escrito pelas professoras universitárias Vani Terezinha Foletto, Janea Kesller, Nilda Aparecida Jacks e Edir Lúcia Bisognin e lançado pela Lei do Livro da Câmara de Vereadores em 2008, existem várias versões sobre a época em que o solar foi construído.

Em 1995, Brenner lançou pela editora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) o livro “Imigração Alemã – A Saga dos Niederauer”, que narra a chegada de seus antepassados alemães ao Brasil. Brenner dedicou um capítulo à construção da Soteia.

Proprietários pretendiam demolir e lotear terreno

Em artigo publicado no extinto jornal A Razão, em maio de 2006, Walter Stoever, um dos proprietários da Soteia à época, revelou que sua intenção era “demolir o que restou da casa e fazer um loteamento no lugar”.

“A casa não tem nada de histórico. Acho que um prédio com 61 anos de construção não tem nada de mais”, justificou Stoever.

Segundo ele, quando o coronel Niederauer morreu, seus herdeiros teriam destruído a mansão e repartido as terras. Parte do terreno foi vendida a seu avô na década de 1940. E ele teria construído uma nova casa no lugar da antiga Soteia, porém bastante semelhante à original.

“Não tem mais Soteia nenhuma, foi feito um pátio”, afirmou o proprietário, ressaltando que a modificação foi feita quando o avô comprou o imóvel.

Já a arquiteta Priscila Quesada, que presidia o Conselho do Patrimônio Histórico em 2006, discordou da afirmação de Stoever.

“O local é um patrimônio histórico. Temos a inteção de aproveitar toda a riqueza cultural dele e transformá-lo em um ponto de referência para a cidade”.

Durante o governo de Cezar Schirmer, teria sido cogitada a ideia de construir um parque municipal, preservando o que restou.

Teriam ocorrido licitações para a construção de um condomínio com recursos do Processo de Aceleração do Crescimento (PAC), mas não houve interessados.

REFERÊNCIAS PARA A REPORTAGEM

  1. Livro “Apontamentos sobre a história da arquitetura de Santa Maria”, escrto pelas professoras universitárias Vani Terezinha Foletto, Janea Kesller, Nlda Aparecida Jacs e Edir Lúcia Bisognin. A obra foi lança pela Lei do Livro da Câmara de Vereadores de Santa Maria em 2008
  2. Imigração Alemã – A Saga dos Niederauer, livro do professor e arquiteto José Antônio Brenner, lançado em 1995 pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Ele dedica um capítulo ao Solar dos Niederauer -Soteia

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