Paralelo 29

FABRÍCIO SILVEIRA: Falando sozinho

FABRÍCIO SILVEIRA

Professor universitário e pós-doutorando em Comunicação

Jair Bolsonaro viveu de falcatruas e rachadinhas, vejo Ciro Gomes afirmar num programa de entrevistas. Assim o presidente atravessou sua carreira política inteira. Já se vão aí trinta anos. Seus filhos também, é dito.

Eram insignificantes, sujeitos desprezíveis. Eram ratos pequenos no lixo da política carioca, Ciro Gomes complementa. Bastou dois anos e meio na vitrine política do país para que viesse a público o mais letal e vergonhoso escândalo de corrução de nossa história.

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Nosso presidente, além disso, é tão incompetente que pretende vender as estatais que dão lucro. É impressionante o quanto o imbecil político brasileiro gosta de passar pano para Bolsonaro, a despeito do caos, das mortes e das falências que ele, por irresponsabilidade e omissão generalizadas, vem nos causando. É de chorar – e Ciro Gomes quase chora.

Bolsonaro em ato político com apoiadores/Foto: Alan Santos, PR, Agência Brasil

“Derrubar” um presidente não é só questão de competência ou incompetência da oposição. Pensar assim é extremamente redutor.

Afinal, é muito mais complexo do que isso: há uma normatização legal, há o peso (e, no caso, o aparelhamento) do Estado, há forças com múltiplos interesses, em múltiplas alianças. Existe a cobertura da imprensa. Existe a pulsação dos mercados.

Não admitir que um presidente da República possui responsabilidades, seja por suas ações reincidentes, seja por suas omissões ou pelo modo errático com que se comporta, numa situação de extrema gravidade, como a que vivemos, só pode ser burrice ou teimosia descabida. É não querer enxergar a realidade. Alguém aqui enxerga a realidade?

A questão, entretanto, não é só trocar as pessoas. Não se pode confiar nelas jamais. Não se pode deixar que os problemas se resolvam por indivíduos bem-aventurados, sujeitos “excepcionais”, sejam eles quais forem. Isso é a base do populismo que destrói nosso país há décadas.

A questão é ter instituições e leis melhores. Que as pessoas atravessem essas instituições sem destruí-las, que possam consolidá-las, fazendo com que se aprimorem, tornem-se cada vez mais impessoais, mais estáveis no tempo.

O imbecil político brasileiro nunca irá entender isso. Essa é a razão pela qual seremos sempre uma republiqueta de bananas, incapaz de se modernizar, apesar das ilusões de todo tipo que nos vendem.

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Algo que podemos fazer é exigir de nosso círculo de amigos que sejam mais reflexivos e responsáveis, penso eu. Afinal, um voto ruim é ruim para todos. É um desastre coletivo. É o que estamos vendo.

Também me chama a atenção a precariedade – a precariedade “conceitual”, digamos – de nossos autoproclamados liberais. Eles se dizem liberais quando, na realidade, são toscos primitivos.

Angela Merkel, ex-chanceler alemã: liberal de verdade/Foto Wilson Dias, Agência Brasil

Têm baixíssima compreensão da identidade que advogam para si. Liberais são Angela Merkel, Emmanuel Macron, Joe Biden, a longa tradição do liberalismo inglês. Correto? Perto desses, entre nós, João Amoedo é alguém que talvez pudesse ser lembrado.

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Bolsonaro, nessa mesma comparação, é uma excrescência política, um reacionário, alguém que desponta das profundezas da Idade Média, sem projeto, sem concepção de nada, mais próximo de Hugo Chávez e Nicolás Maduro do que qualquer outro.

Assemelha-se a tantos ditadores folclóricos da América Latina, a ditadores do Oriente Médio.

Tenho recomendado aos meus amigos liberais que se tornem liberais mais instruídos – mais éticos, menos fascinados pelo economicismo militar rasteiro de inspiração chilena.

Deve existir um modo de compatibilizar o liberalismo radical e o respeito ao ordenamento jurídico, à vitalidade democrática.

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Eles que o encontrem. Caso contrário, estaremos rumando para a destruição do país e o governo das milícias. Como já estamos.

Macron, o presidente francês, por exemplo, é um liberal. É um social-democrata. Para Bolsonaro, é um comunista tal qual os dirigentes do partido chinês. Nosso presidente desloca o centro do debate político, dizem os especialistas.

Marcon é liberal, social-democrata, mas para Bolsonaro é comunista/Fotos Públicas

Qualquer um que não reze na cartilha neofascista, de extrema direita “niiliberal” – niilista + iliberal + liberal – na qual ele comunga se tornará automaticamente socialista.

Foi assim com Moro. Foi assim com William Bonner. Foi assim com o Papa. Com Dráuzio Varela. A dificuldade que hoje enfrentamos é a de reconstruir o centro republicano e democrático do jogo político. “Centro”, foi o que eu disse. Não falo aqui em Centrão.

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Ou seja: precisamos voltar três casas e reconstruir o repertório desse debate, reafirmar as regras mínimas desse jogo, tudo o que foi destruído nos últimos anos pela contrainformação, pela coação nas redes digitais, pela mobilização dos piores afetos políticos, pela guerrilha informacional e pelo ressentimento generalizado com a classe dos nossos governantes.

Os bolsonaristas são impermeáveis e dogmáticos. Propagam uma crença de tipo religioso. Têm uma mentalidade mítica (e sacrificial). Vivem num estágio infantil do desenvolvimento psíquico, escuto um psicólogo me dizer.

Presidente brasileiro está mais para Nicolás Maduro do que qualquer outro/Foto: Twitter

É impossível racionalmente, com base em argumentos e dados, sem apelar às emoções (dentre elas, sobretudo o medo e o fascínio fetichista pela autoridade), convencê-los de que suas crenças são débeis, sem fundamento e causam a desgraça deles próprios (e do país, por extensão).

O que vemos na CPI da Covid é a demonstração cabal disso tudo: a imunidade ao argumento lógico, à prova e à razão. É um mergulho numa ficção política, com poucos lastros na realidade.

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A diferença é que os políticos capitalizam e tiram disso proveito simbólico. Enquanto os minions comuns, como se diz, só ficam com o mico e o mergulho acrítico na própria falta de sensibilidade e capacidade de compreensão. Argumentar com um minion “raiz” é argumentar com um muro, com um fanático religioso.

Se alguém aqui disser que sou comunista ou algo assim, ou então mencionar o Lula – “vai pra Cuba!”, poderá bradar –, só estará confirmando o diagnóstico dessa limitação cognitiva, dessa incapacidade de avaliação.

Mas, enfim… Já é tarde. Estou falando sozinho.

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