Paralelo 29

SABRINA SIQUEIRA: Um capítulo da luta pelo voto feminino no Brasil

SABRINA SIQUEIRA

Jornalista e podcaster do Literatura Oral

Talvez você já tenha familiaridade com o nome Manuel Antônio Álvares de Azevedo, autor de Lira dos Vinte anos, Macário e Noite na Taverna.

Ele é associado à segunda geração do Romantismo Brasileiro, conhecida como ultrarromântica ou do mal do século. Mas ele não foi o único talento com as palavras da família. 

Josefina Álvares de Azevedo, jornalista e também escritora, ficou longe das nossas apostilas de literatura do Ensino Médio, mas não foi por falta de talento ou posicionamento, já que foi corajosa para escolher temas sociais quando escrevia.

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Possivelmente seu anonimato tenha sido antes em função desse comportamento, porque ela foi arrojada em um tempo em que era esperado apenas subserviência por parte das mulheres.   

No século XIX, o mundo público era, por excelência, masculino. Mulheres eram na grande maioria mantidas analfabetas, treinadas para serem esposas e mães, para coordenarem o lar.

Josefina fundou o jornal “A família” em São Paulo, em 1878. Em 1889, a sede do jornal foi deslocada para o Rio de Janeiro, e durou até 1897 como um periódico combativo.

Josefina foi uma pioneira do feminismo no Brasil/Foto: Reprodução

Nas páginas do seu jornal, ela defendia a educação feminina como meio de alcançar a emancipação da mulher. Assim, o jornal era considerado radical, porque propunha mudanças sociais.

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O “A família” tinha o subtítulo “Jornal literário dedicado à educação da mãe de família”, mas mudou de linha editorial e perdeu essa identificação com o advento da República. Josefina tinha entendimento da importância da participação da mulher como cidadã e eleitora, devendo participar da vida política também como elegível.

O que fica claro no seguinte editorial, escrito em novembro de 1889: “é necessário que a mulher, também como ser pensante, como parte importantíssima da grande alma nacional, como uma individualidade emancipada, seja admitida ao pleito em que vão ser postos em jogo os destinos da pátria. […] À mulher como ao homem deve competir a faculdade de preponderar na representação da pátria. Queremos o direito de intervir nas eleições, de eleger e ser eleitas, como os homens, em igualdade de condições. Ou estaremos fora do regime das leis criadas pelos homens, ou teremos também o direito de legislar para todas. Fora disso, a igualdade é uma utopia, senão um sarcasmo atirado a todas nós”.

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Todo trabalho de Josefina teve como objetivo a independência social da mulher. Reivindicava uma educação sólida e desenvolvida, que lhes preparasse com dignidade a desempenhar altas funções de Estado.

Uma manifestação de mulheres pelo direito ao voto/Foto: Agência Senado, Acervo

A obra mais famosa da escritora foi a peça teatral O voto feminino, comédia em um ato escrita quando essa questão era debatida de forma polêmica.

Mais de um século depois da redação dessa peça, a participação das mulheres na vida política nacional continua baixa. 

A peça O voto feminino nasce durante a mudança de regime do governo brasileiro, tendo sido escrita em abril de 1890.

Pode ser classificada como comédia de costumes, com a intenção de desmascarar o ridículo e a fragilidade da ideia de que a mulher foi feita apenas para os arranjos domésticos.

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Também teve o intuito de preparar a sociedade para os avanços de um novo tempo de liberdade e maior igualdade entre os sexos, que poderia surgir com o regime republicano.

Nela, Josefina aborda a questão do sufrágio feminino com humor. O enredo é sobre um embate entre os gêneros, representado por 3 casais. Homens e mulheres defendem seu ponto de vista sobre o assunto.

A ação se passa na casa de Anastácio, ex-ministro do Império, cujos despachos eram escritos pela mulher e pela filha, denunciando a capacidade das duas para exercer um cargo no governo e a fraqueza intelectual dele.

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A peça demonstra o medo dos homens numa inversão de papéis entre os gêneros, o que, de certa forma, é uma confissão por parte deles de que as mulheres ocupavam um lugar menos aprazível na sociedade, vivendo numa semiescravidão em que existiam apenas para servir, procriar e organizar a casa, e excluídas do papel de engendrar seus próprios destinos.

Josefina Álvares de Azevedo escolheu escrever sobre temas sociais, que poderiam causar impacto na sociedade, bem diferente do seu parente Manuel Antônio, que escreveu sobre morte, depressão, romantismo.

Ela desafiou o patriarcado e talvez por isso sua obra tenha sido varrida para debaixo do tapete da história. Imagine quantas outras mulheres talentosas podem ter sido silenciadas por defenderem liberdade.

A Nova Zelândia foi o primeiro país a garantir o sufrágio feminino, em 1893. No Brasil isso só aconteceu no século XX. No Rio Grande do Norte em 1928 e no restante do território nacional em 1932.

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E ainda há muito poucas mulheres interessadas em política. Desde 1995 existe uma lei que determina cotas para mulheres dentro dos partidos, mas isso não vem se refletindo em candidatas eleitas.

Reprodução de cartaz de evento comemorativo ao voto feminino

Mulherada, quando forem votar, por favor, lembrem o quanto foi trabalhoso conseguir esse direito e não votem nulo ou branco!

Ao invés disso, procurem se informar das propostas, porque política diz respeito à organização da nossa vida em sociedade e atinge a todos nós.

Eu não encontrei O voto feminino no site do Domínio Público, apesar da obra estar nessa situação devido ao tempo de falecimento da autora. Mas você a encontra no e-book homônimo da escritora Michele Machado Fernandes, através do perfil de Instagram@contosdesamsara.

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O e-book faz parte de um projeto chamado “O que contam as mulheres?” e pode ser baixado gratuitamente na bio desse perfil.

E no meu podcast, Literatura Oral, bem como no perfil @literaturaoral, você encontra outras informações sobre Josefina Álvares de Azevedo e sua peça.

Josefina Álvares de Azevedo, foto divulgação https://pt.wikipedia.org/wiki/Josefina_%C3%81lvares_de_Azevedo

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