Paralelo 29

EXCLUSIVO: Três meses depois do 8 de janeiro, taxista de Santa Maria leva vida de fugitivo

Foto: Arquivo Pessoal, reprodução Facebook

Polícia Federal já teria feito batida na casa do ativista conhecido como Beto Rossi, em Santa Maria. A reportagem do Paralelo 29 conseguiu falar com ele, que estaria no exterior depois de ter desistido de se entregar

Há exatos três meses, um taxista de Santa Maria vive apreensivo e leva uma vida de foragido da Justiça. Conhecido como Beto Rossi, o ativista político de direita Robergson Luiz de Rossi, 57 anos, participou das manifestações contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que resultaram na invasão das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro deste ano, em Brasília. Ele até pensou em se entregar, mas desistiu depois de ser aconselhado por amigos.

O site Paralelo 29 conseguiu fazer alguns contatos com Beto Rossi nesse período. Atualmente, temendo ser preso, ele estaria morando no exterior. Um desses contatos ocorreu cerca de um mês depois que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram os prédios do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.

Em 11 de fevereiro, Beto Rossi enviou um longo relato, em forma de texto, em que conta sobre a mobilização de bolsonaristas, que começou com um acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, no Distrito Federal, e que culminou com as invasões e depredações de 8 de janeiro.

Beto Rossi assume que foi um dos organizadores das manifestações, inclusive da marcha dos bolsonaristas até a região onde houve invasões e depredações, mas nega ter participado dos atos de vandalismo que destruíram móveis, dependências e obras de arte. O depoimento do ativista, em forma de texto, foi obtido com EXCLUSIVIDADE pelo site Paralelo 29 em um desses contatos.

“Me baseei em um vídeo de ocupação na Nicarágua. Tive essa ideia de uma ocupação pacífica na frente do Congresso Nacional, e com isso montei e sugeri essa marcha de oito quilômetros”, diz, no relato.

O ativista diz que escapou da prisão “por milagre”, sorte que outros militantes bolsonaristas não tiveram. Entre os presos em 8 de janeiro e nos dias seguintes, estão ao menos 12 pessoas de Santa Maria e região. Atualmente, apenas dois santa-marienses – um homem e uma mulher – continuam presos em Brasília. São os empresários Tatiane da Silva Marques e Eduardo Zeferino Englert, ambos de 41 anos.

Beto Rossi participa de mobilizações da direita em Santa Maria e no Brasil, como ocorreu na capital federal/Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução, Facebook

Em um trecho do seu relato, Beto Rossi diz:

Milagres acontecem, só eu não imaginava que fossem tantos em poucos dias, o meu país em convulsão e eu lutando para não ser preso, covardia??

Com toda certeza não; só não queria ser preso e torturado por algo que nunca tive a intenção de fazer, lembro na época que saí de minha cidade para derrubar literalmente uma Presidente; naquela época nem tinha noção que minha trajetória terminasse dessa forma, foragido de leis que nem no Código Penal do meu país estão…

O taxista diz que no começo das manifestações contra a eleição de Lula, assim que saiu o resultado do segundo turno, ninguém acreditava no poder de mobilização do bolsonarismo em frente aos quartéis. Muito menos que milhares deles partiriam para uma ação radical de invasão das sedes dos Três Poderes.

No começo acharam que o povo não iria andar tanto assim, e não me surpreendeu, milhões de pessoas saíram do QG, quartel do exército marchando até a esplanada, foi para mim um momento de muita alegria, no impeachment tínhamos apenas umas 40 pessoas, entre as quais me incluo, marchando até a capital reinvindicando a destituição desse governo. Muitos, repito, achavam impossível…

Tomado por esse entusiasmo daqueles tempos gloriosos (impeachment da presidente Dilma Rousseff), achei que ocupando o gramado central de forma pacífica nossa vitória seria certa. Na época do impeachment não tínhamos um tirano no Supremo (Tribunal Federal), e isso, admito, fez a diferença. Fomos enganados por supostos infiltrados, seguimos com eles com o ímpeto de mostrar nossa valentia diante desse sistema. De certa forma exageramos, mas somente na vontade de causar para que as Forças Armadas tomassem conta e repusessem a lei e a ordem…

Levei comigo uma mochila pesada, mais de 20 kg; se fosse para o confronto porque levaria algo tão pesado em um suposto confronto?… Seria burrice demais…

Queria apenas ocupar para fazer as reivindicações necessárias, que em seu mote eram eleições limpas, com voto no papel, caneta e urna de lona física. Seria pedir muito??

No texto enviado com exclusividade ao Paralelo 29, Beto Rossi relata a ajuda recebida de pessoas que apoiavam as manifestações em frente ao Quartel do Exército em Brasília. Entre essas pessoas, o taxista cita uma mulher que ele chama de “anja Gabriela”.

Segundo o ativista, há um total de oito relatos que ele já escreveu nesse período, antes e depois de 8 de janeiro, que ele quer transformar em livro. Apesar de ter concorrido a vereador duas vezes, o taxista diz que seu interesse seria apenas contar sua versão da História recente do país.

No material, ele diz que escapou de ser preso “por milagre” e cita o acolhimento que ele e outros bolsonaristas receberam de algumas pessoas em Brasília. Também relata o apoio de amigos que diz ter espalhos pelo Brasil e outros que ficaram em Santa Maria.

Ativista relata seus dias em Brasília em vídeos e em depoimentos/Foto: Reprodução vídeo youtube

Ele conta:

Vejo que quando temos realmente intenções corretas e legítimas, os milagres acontecem, eles se multiplicam até, os anjos aparecem sem que nós percebamos em nossas vidas, em um cotidiano passam as vezes despercebidos.

Me sinto iluminado, rodeado de anjos. Desde que cheguei no QG de Brasília recebo visitas constantes destes anjos, que, de alguma forma, fizeram minha estada mais confortável e leve.

Quero homenagear neste texto a Anja Gabriela. Tentem visualizar uma pessoa desprendida, de tanta bondade. Alguns que lerem esse texto vão saber a quem eu me refiro, ela tem Instagram e YouTube.

Ela é a doçura em pessoa, toda hora pronta para ajudar, ela considerava a gente como herói e por isso queria fazer o que fosse possível para aliviar o que enfrentávamos. Não sabendo ser ela que era a heroína, lá tínhamos dificuldades , uma é muito importante: um banho quente. Chegávamos a ficar três dias sem tomar um banho quente.

O segundo eram as nossas necessidades fisiológicas. Estava pronta para nos levar em sua casa, depois de um banho quente nos oferecia pizzas e hamburgues,.

Depois com sua voz carinhosa nos levava novamente ao QG de Brasília; no momento em que estávamos na sua casa, ela ainda colocava nossas roupas na máquina de lavar.

Tenho certeza que tinham anjos como a que me acolheu, mas ela para mim foi e será sempre uma pessoa especial, uma amizade sincera que guardarei pelo resto de minha vida. Sua filha com idade da minha neta Antonella e seu marido sempre paciente com a gente, que Família maravilhosa.

Mais adiante, no texto, Beto Rossi assume estar escondido

“Sigo minha jornada escondido, com anjos me protegendo, e apareceram mais anjos com certeza, então uma sugestão olhem a sua volta com certeza terá um anjinho para te socorrer

Em outros contatos feitos pelo Paralelo 29 antes do ativista ir para fora do país, ele disse estar com medo da prisão. Defensor de uma intervenção militar no país (golpe de estado), o taxista diz temer “ser torturado”. Ele também saiu em defesa dos santa-marienses presos, em particular da empresária Tatiane da Silva Marques, 41 anos, que continua presa na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia).

“Ela só está presa porque gravou aquele vídeo”, diz Beto Rossi, referindo-se a uma gravação feita por Tatiane, de dentro de um ginásio onde bolsonaristas estavam detidos para identificação e triagem, e onde ela critica as instalações e chama o local de “campo de concentração do Lula”.

Em de janeiro, milhares de bolsonaristas inconformados com a eleição de Lula invadiram as sedes dos Três Poderes, na capital federal/Foto: Marcelo Camargo, Agência Brasil

VÍDEOS FEITOS POR BETO ROSSI EM BRASÍLIA: 6 de dezembro; 20 de dezembro, show em acampamento bolsonarista; 31 de dezembro; 31 de dezembro; 7 de janeiro, véspera da invasão dos Três Poderes

Auxiliar de taxista, Beto Rossi foi para a capital federal ainda em novembro/Foto: Reprodução vídeo youtube

QUEM É BETO ROSSI

Ex-proprietário de um restaurante no distrito de Arroio Grande, em Santa Maria, Robergson Luiz de Rossi, conhecido como Beto Rossi, trabalhava como auxiliar de taxista na cidade antes de ir para Brasília acampar com outros bolsonaristas. Ele partiu para a capital federal ainda em novembro, depois do dia 19, data de casamento do filho.

No final de dezembro, Beto divulgou vídeos do acampamento, um deles ao lado do senador gaúcho Luis Carlos Heinze (Progressistas), que havia visitado a concentração bolsonarista.

Em outro vídeo, publicado em reportagem publicada pelo Paralelo 29 em 11 de janeiro, Beto mostra o acampamento bolsonarista de Brasília e descreve o local. Nessa mesma reportagem, o taxista se defende e afirma que não havia “bandido” no episódio de 8 de janeiro.

Bolsonarista raiz

Filiado ao Partido Progressista (PP), Beto é uma figura conhecida nos movimentos de ultradireita que começaram a aparecer no período que antecedeu o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Em Santa Maria, ele participou de mobilizações pela cassação do mandato da petista.

Também esteve nos protestos que marcaram uma tumultuada visita do então ex-presidente Lula, em março de 2018, no campus da Universidade Federal de Santa Maria. Com a candidatura de Bolsonaro a presidente, ele se assumiu como bolsonarista raiz.

Entre outros movimentos dos quais participou, o ativista esteve presente na greve dos caminheiros, em paralisações de caminhões no Posto Buffon, nas motociatas e nas campanhas de Bolsonaro à Presidência, em 2018 e em 2022. Antes de partir para Brasília, no ano passado, ele ajudou na montagem do acampamento bolsonarista na 6ª Brigada de Infantaria Blinda, na Avenida Borges de Medeiros.

“Eu organizei com outras pessoas o Movimento Consciência Brasil Santa Maria e organizei as manifestações desde 2015. Também organizamos a visita do Bolsonaro (o então presidente veio à cidade para participar da Festa Nacional da Artilharia, no Regimento Mallet, em junho de 2019). Tudo a que se refere a manifestações de direita em Santa Maria, na quase totalidade, fui eu que organizei”, conta.

Em sua trajetória política, o taxista tentou duas vezes ser vereador em Santa Maria, mas em nenhuma deles conseguiu se eleger. Na primeira tentativa, em 2016, fez 169 votos. Em 2020, fez 137.

Na Justiça contra as urnas eletrônicas

Ainda em 2018, antes das eleições, Beto Rossi ingressou com uma ação popular para que a Justiça Federal determinasse o retorno da cédula de papel ou determinasse a impressão de votos colocados nas 600 mil urnas eletrônicas do país. O pedido foi negado pelo juiz da 3ª Vara da Justiça Federal de Santa Maria, Loraci Flores de Lima.

Até hoje, Beto Rossi ataca o sistema eletrônico. Ele compartilha da opinião da maioria bolsonarista de que as urnãs eletrônicas não são confiáveis e que houve fraude nas eleições presidenciais para Lula ganhar.

Este foi o principal argumento que os bolsonaristas utilizaram para justificar os acampamentos em frente aos quartéis e para defender um golpe militar no país pelas Forças Armadas.

Em 2018, o então empresário foi à Justiça para questionar as urnas eletrônicas/Foto: José Cruz, Agência Brasil

Líder de mobilizações contra restrições na pandemia

Logo no início da pandemia de covid-19, Rossi ocupava as redes sociais ora para dizer que a crise sanitária mundial era uma invenção, ora para defender medicamentos de ineficácia comprovada contra o coronavírus, como a cloroquina. Ele chamava a pandemia de “fraudemia” e criticava o uso de máscara.

Ainda no auge da pandemia, o então empresário (nessa época tinha o restaurante) foi um dos líderes de mobilizações do empresariado de Santa Maria contra o fechamento do comércio e restrições a atividades medidas adotadas pelos governos estadual e municipal para tentar frear a onda de contágios, hospitalizações e mortes.

Vivendo como fugitivo

A partir de 8 de janeiro, ele passou a viver como fugitivo, como ele próprio relata. O santa-mariense diz que vai provar sua inocência, defende uma anistia para todos os envolvidos nas manifestações de Brasília e revela que estava pronto para se entregar à Justiça. No entanto, resolveu seguir conselhos de amigos para que deixasse o país em vez de se entregar.

Segundo Beto, sua casa em Santa Maria já foi alvo de batida da Polícia Federal. No entanto, segundo ele, “nada de relevante” teria sido encontrado em um mandado de busca que teria sido cumprido no imóvel.

Em seu novo endereço fora do Brasil (ele não revela em que país está morando), o agora ex-auxiliar de taxista diz estar procurando emprego. Ele também conta que vai pedir ajuda financeira para amigos para se manter e que, em breve, vai retomar suas publicações nas redes sociais.

Sobrevivência e militância

Ativista diz estar vivendo no exterior depois de ter pensado em se entregar /Foto: Reprodução vídeo youtube

Por enquanto, sua atuação se limita a sobreviver e a acompanhar as postagens de ativistas de direita e de amigos. Sua última postagem em seu perfil no Facebook foi feita em 13 de março.

Nesse post, o santa-mariense menciona três assuntos: transposição do Rio São Francisco, joias recebidas pela família Bolsonaro como presentes de governantes da Arábia Saudita e denúncia de trabalho escravo em vinícolas gaúchas, caso que teve grande repercussão no país.

Beto diz que tanto o caso das joias como a denúncia de trabalho escravo são “narrativas criadas pela esquerda”. Depois disso, em um dos seus perfis ativos no Facebook, só há um compartilhamento de uma postagem de uma amiga em defesa da causa animal em 31 de março.

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