Paralelo 29

ENTREVISTA: “Temos uma história que ninguém pode apagar”, diz irmã Lourdes Dill

Foto: Arquivo Pessoal

Religiosa, que está em Santa Maria, vai passar por uma cirurgia no final do mês; em outubro, ela deverá partir para uma missão de dois anos na África

Ex-coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança, a irmã Lourdes Dill, 71 anos, vive os preparativos para um novo desafio: em outubro deste ano, ela deverá embarcar para Moçambique, na África, para uma missão de dois anos. Antes disso, a religiosa passará por uma cirurgia, marcada para o dia 28 deste mês. A religiosa está em Santa Maria preparando-se para o procedimento médico.

Coincidentemente, de 7 a 9 de julho, Santa Maria sediará mais uma Feira Internacional do Cooperativismo e da Economia Solidária (Feicoop), que estará na 29ª edição, e irmã Lourdes não poderá comparecer. Desta vez, porque estará se recuperando da cirurgia.

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Irmã Lourdes com criança indígena em ação humanitária no Maranhão/Foto: Arquivo Pessoal

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No ano passado, ela não participou porque já estava morando em Barra do Corda, no Maranhão. Será a segunda feira sem a presença daquela que comandou o Projeto Esperança/Cooesperança por 35 anos e participou do nascimento da Feicoop e feiras paralelas, bem como o Feirão Colonial.

Em 2 de maio do ano passado, irmã Lourdes partiu para Barra do Corda, município de pouco mais de 88 mil habitantes, no Maranhão. A religiosa atua na Diocese de Grajaú.

A transferência de Irmã Lourdes para o Nordeste foi anunciada em dezembro de 2021 pelo novo arcebispo metropolitano de Santa Maria, dom Leomar Brustolin, e gerou protestos de aliados da freira.

Dom Leomar justificou a transferência, afirmando que foi uma decisão que partiu da Congregação das Filhas do Amor Divino, à qual irmã Lourdes pertence.

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Irmã Lourdes Dill com crianças indígenas em Barra do Corda/Foto: Arquivo Pessoal

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Sem polêmicas e devoção a dom Ivo

Em entrevista ao Paralelo 29, irmã Lourdes fala das atividades no Maranhão, do Projeto Esperança/Cooesperança e da saudade que sente de Santa Maria. Ela também fala sobre seu estado de saúde e da expectativa de sua nova missão, em Moçambique, país africano colonizado por portugueses.

Na entrevista, irmã Lourdes preferiu não entrar em detalhes sobre a viagem para a África por ainda não ter detalhes da missão. Em setembro, ela deverá fazer um curso preparatório de 15 dias, possivelmente em São Paulo, juntamente com outros três membros da missão.

Depois desse curso, ela será liberada para visitar familiares em São Paulo das Missões, no Rio Grande do Sul, antes de partir para a África. A irmã ainda não sabe se passará por Santa Maria antes da viagem.

Um assunto irmã Lourdes evita falar: os motivos de sua transferência e a sua relação com o arcebispo de Santa Maria. Ela diz que o importante são os projetos que continuam transformando a vida das pessoas.

Sempre que fala em Feicoop, Economia Solidária e Feirão Colonial, irmã Lourdes evoca a figura do bispo dom Ivo Lorscheiter, que esteve à frente da então Diocese de Santa Maria por 30 anos e idealizou o Projeto Esperança/Cooesperança. Dom Ivo morreu em março de 2007.

Movimentos sociais continuam no foco da religiosa na Diocese de Grajaú/Foto: Arquivo Pessoal

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Paralelo 29 – Um ano após sua saída de Santa Maria como está a sua adaptação em Barra do Cordas?

Irmã Lourdes Dill – Sobre minha adaptação em Barra do Corda, posso afirmar que me adaptei muito bem na cultura do povo maranhense, costumes e tudo mais. O povo do Maranhão é simples, acolhedor e hospitaleiro.

Paralelo 29 – A quais projetos e atividades a senhora se dedica em Barra do Cordas?

Irmã Lourdes – Os projetos que acompanho são diversos e posso afirmar que depois de um ano achei o caminho e como de costume estou em várias atividades. Participo da Evangelização através da Liturgia, Pastoral Familiar, Pastoral da Sobriedade, visita às famílias, velórios, visita aos doentes. Na parte social trabalho com os catadores do Lixão de Barra do Corda, palestras e encontros de Economia Solidária, visita às escolas, participação dos projetos da Caritas, especialmente Rede Mandioca e Ações Humanitárias em favor das famílias que foram atingidas pelas enchentes, formação sobre o cooperativismo e a Economia Solidária e meio ambiente, entre outros importantes temas.

Paralelo 29 – Seu trabalho não se limita ao Maranhão?

Irmã Lourdes – Viajei para vários estados do Brasil com despesa paga pelos organizadores para fazer palestras e participar do trabalho do Projeto de Redes a nível nacional .Tenho contribuído na reflexão e reconstrução da Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária)

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Paralelo 29 – Do que mais a senhora tem saudades de Santa Maria além do projeto Esperança?

Irmã Lourdes – Sim, experimentei o que é ter saudades. Tenho saudades dos amigos e amigas, do povo do Projeto Esperança/Cooesperança, do Feirão (Colonial) e dos parceiros e apoiadores. Tenho saudades das Feiras e do clima de confraternização nestes espaços. Tenho saudade de Santa Maria, uma cidade que me acolheu quase 40 anos, sendo 35 no Projeto Esperança/Cooesperança, e da formação religiosa que participei em Santa Maria. Tenho saudade de todos que são parte da minha vida e história e que contribuíram na minha formação e vocação.

Em visita a populações vulneráveis no Maranhão/Foto: Arquivo Pessoal

Paralelo 29 – A senhora acompanha as notícias de Santa Maria, sobre o que acontece por aqui?

Irmã Lourdes – Sim, acompanho muitas notícias de Santa Maria. Fiquei com o telefone de Santa Maria e vejo que muitas coisas boas acontecem, mas preocupa a violência. São tantas mortes por homicídio e brigas. É muito triste tudo o que acontece com a violência.

Paralelo 29 – A senhora mantém contatos com o pessoal da Economia Solidária em Santa Maria?

Irma Lourdes – Mantenho contato com o pessoal da Economia Solidária e dos projetos sociais que ajudamos criar e a fomentar. Sempre que tem dúvidas o pessoal me liga e eu ligo para eles, especialmente quando tem os grandes eventos.

Paralelo 29 – Qual a sua avaliação depois de um ano de sua saída do projeto Esperança/Cooesperança?

Irmã Lourdes – A minha avaliação sobre o Projeto Esperança Cooesperança, Feicoop e o Feirao Colonial é que o pessoal está indo muito bem. Seguem os projetos, princípios e iniciativas coma metodologia que é própria deste importante trabalho que completará 36 anos com muitas parcerias e apoio de muitos. A parte política com certeza modificou um pouco, mas cada pessoa tem um jeito próprio. Estou feliz e sou grata pela continuidade e apoio que todos estão dando a este belo trabalho que Dom Ivo nos ajudou a criar e a desenvolver com tanta magnitude e dedicação.

Evangelização faz parte das ações a que irmã Lourdes se dedica em Barra do Corda/Foto: Arquivo Pessoal


Paralelo 29 – No ano passado, a senhora não participou da Feicoop pela primeira vez desde que a feira começou? Neste ano a senhora virá a Santa Maria?

Irmã Lourdes – Em 2022 foi o primeiro ano que não participei da organização e realização da Feicoop. Ajudei a criar esta experiência fantástica e contribuí na organização e realização de 27 Feiras, três Fóruns Sociais mundiais de Economia Solidária, 37 Feiras da Primavera, 30 Seminários de Alternativas à Cultura do Fumo e 30 anos do Feirão Colonial além dos 35 anos do Projeto Esperança Cooesperança. Uma história que ninguém pode apagar. É um legado que fica para a posteridade e que faz parte do Patrimônio Cultural de Santa Maria. Este ano eu não vou participar porque estarei me recuperando de uma cirurgia. Estarei em Santa Maria, mas em repouso.

Paralelo 29 – Como está a sua saúde?

Irmã Lourdes – Vim acompanhada de uma irmã, que vai ficar comigo aqui. Já fiz uma série de exames e um check-up completo. Estou apresentado os exames aos médicos. Tenho boa saúde, com pequenos problemas circulatórios nas pernas e precisando usar meias terapêuticas. Vou fazer uma cirurgia de histerectomia abominal total dia 28 de junho. Depois destes procedimentos, quando os médicos me liberarem, voltarei para Barra do Corda para intensificar os preparativos para a Missão na África.

Paralelo 29 – Qual a sua expectativa para essa sua nova missão?

Irmã Lourdes – Meu próximo destino será Moçambique, África, o meu futuro campo de missão. Estou muito feliz pelo fato de poder integrar esta profética Missão no continente africano, possivelmente a partir de outubro deste ano. Este é um sonho desde a minha infância e chegou a hora. Para lá as pessoas se oferecem voluntariamente para Missão. Este é um Projeto do Regional Sul 3 do Rio Grande do Sul e da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e assumido com as Filhas do Amor Divino da Província Nossa Senhora da Anunciação com sede provincial em Santa Maria. Seremos quatro irmãs que vamos nos somar aos missionários e missionárias que já estão lá, inclusive gaúchos e gaúchas. Deus inspire e abençoe esta Missão Profética a serviço do povo africano.

Povo acolhedor: assim Irmã Lourdes se refere aos maranhenses/Foto: Arquivo Pessoal

Paralelo 29 – Quanto tempo a senhora vai permanecer na África?

Irmã Lourdes – Em princípio, a missão é por dois anos, mas quero voltar mais vezes.

Paralelo 29 – A senhora pensa em retornar a Santa Maria para morar?

Irmã Lourdes – Voltar para morar em Santa Maria não depende só de mim. Pelo contexto atual e cenário criado, certamente a curto prazo isto é impossível. Me sinto uma peregrina do mundo. Santa Maria sempre fará parte da alegria de ter contribuído com esta cidade e ajudado a semear especialmente projetos inovadores e estruturantes que hoje são esteio e fortaleza para milhares de famílias do campo e da cidade, junto com as organizações e movimentos sociais, populares e políticas públicas. Contribuí significativamente na evangelização e na formação de muitos acadêmicos de diferentes universidades pela partilha da experiência nas temáticas desenvolvidas.

Paralelo 29 – Que mensagem a senhora quer mandar para os santa-marienses?

Irmã Lourdes – Gostaria de concluir com duas importantes frases: “Muita gente pequena em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão a face da terra (provérbio africano). E uma frase importante do Papa Francisco que sintetiza toda esta bela luta e organização: “Os rios não bebem sua própria água, as árvores não comem seus próprios frutos, o sol não brilha para si mesmo, e as flores na espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. Todos nós nascemos para ajudar uns aos outros e umas às outras, não importa quão difícil seja. A vida é boa quando você está feliz, mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua e por nossa causa”.


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