Paralelo 29

Entidades se mobilizam contra projetos de vereadora; Câmara debaterá um deles nesta segunda

Roberta Leitão, do PP/Foto: Isadora Pilar, AICVSM

Reunião pública, às 18h, discutirá projeto que proíbe verbas públicas para conteúdos que, segundo a autora, promovam a “”sexualiação de crianças e adolescentes”

Entidades de Santa Maria estão mobilizadas contra um conjunto de projetos de lei da vereadora Roberta Leitão (PP). Um dos projetos trata de verbas públicas, e outros dois, de aborto.

Um deles, o PL 9615/2023, que proíbe verbas públicas para convênios, contratos e materiais que, segundo a autora, promovam a sexualização de crianças e adolescentes, estará em debate em reunião pública marcada para esta segunda-feira (4), às 18h, na Câmara de Vereadores.

Grupos contrários ao projeto de proibição de verbas, entre eles coletivos de artistas e a ONG Igualdade, começaram a se mobilizar na semana passada. Eles questionam o que seria “sexualização de crianças e adolescentes” e argumentam que isso “não existe” e que a vereadora quer impor censura.

Projeto de lei proíbe verba pública para conteúdo de “sexualização de crianças” em Santa Maria

Entidades ligadas ao meio artístico e à diversidade se mobilizam contra projeto 9615/Foto: Divulgação

Ativistas contrários vão às redes sociais

A coordenadora da ONG Igualdade, Marquita Quevedo, diz, ainda, que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já protege o público infantil e os adolescentes.

“Somos contra abusos em qualquer forma, mas não é disso que trata o projeto de lei”, afirma Marquita, uma das organizadoras da mobilização de artistas e outros grupos contrários.

Em suas redes sociais, o ativista Gustavo Rocha, conhecido como Afroguga, também está convocando para uma manifestação contra o projeto 9615 na reunião pública desta segunda-feira.

“Está em processo de tramitação na Câmara de Vereadores de Santa Maria mais um ataque da extrema-direita à cultura e à liberdade de expressão. Sob a falsa justificativa de “proteger as crianças”, o PL 9615 busca, na verdade, impor a censura, e assim ameaça o acesso a recursos públicos para o financiamento de projetos culturais, por setores que historicamente vêm sendo subrepresentados, também no âmbito da cultura, como a população LGBTQIAPN+, as mulheres e a negritude”, diz um trecho da convocação.

Convocação do ativista Afroguga em seu perfil no Instagram/Foto: Reprodução

O QUE DIZ O PROJETO DE LEI

  • Proíbe a utilização de verbas públicas, no âmbito do Município de Santa Maria/RS, em convênios, contratos, produções, espaços ou materiais que promovam, de forma direta ou indireta, a sexualização de crianças ou adolescentes

O QUE A PROIBIÇÃO INCLUI

  • Editais, chamadas públicas, prêmios, aquisições de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, espaços, iniciativas e cursos, desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária
  • Produções audiovisuais, impressos, obras cinematográficas, músicas, áudios, desenhos e animações, entre outros, em qualquer formato ou meio de divulgação ou comunicação, ainda que didático, paradidático ou cartilha, ministrados, entregues ou dispostos a acesso de crianças e adolescentes
  • Espetáculos, apresentações de manifestações cultuais, bem como a realização de atividades que possam ser transmitidas por televisão, rádio, internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais ou outras plataformas digitais
  • Espaços públicos ou artísticos culturais privados, patrocinados ou mantidos, mesmo que parcialmente, pelo Poder Público Municipal
  • Cedências e empréstimos de bens, equipamentos, estruturas ou recursos humanos vinculados ou de propriedade do Município
  • Promoção à sexualização: todo tipo de material ou produção que contenha nudez, erotização, insinuação sexual, carícia sexual, relação sexual, masturbação, linguagem chula ou de conteúdo sexual ou simulações de sexo, de acordo com o Sistema de Classificação Indicativo do Ministério da Justiça ou norma equivalente que venha a substituí-lo

Ministro do STF suspende lei que cria Dia do Patriota em Porto Alegre

Projeto prevê multas de até R$ 435 mil

O projeto de lei 9615/2023 estabelece multas pesadas em caso de descumprimento da proibição. Elas variam de R$ 13 mil a R$ 435 mil. Além disso, o PL prevê a devolução da verba liberada e a proibição de firmar contratos ou convênios com o Município de Santa Maria por oito anos consecutivos.

Na justificativa, a vereadora diz que o projeto de lei foi desenvolvido “de forma colaborativa, considerando diversas perspectivas da sociedade”. Roberta Leitão afirma que a proposta “busca valorizar a infância e a adolescência, visando combater a pedofilia, a sexualização precoce, e criando mecanismos que possam coibir a prática dessas condutas delituosas”.

A vereadora disse ao Paralelo 29 que não está mobilizando apoiadores para participarem da reunião pública. A divulgação das propostas está sendo feita em suas redes sociais.

“Quanto à mobilização para a reunião pública, eu postei nas minhas redes, e a Câmara, nas suas. Mas não estou mobilizando apoiadores para comparecerem. Esse projeto é tão salutar e inteligível que qualquer distorção é fruto de desconhecimento ou má-intenção”.

Nunes Marques libera para julgamento primeiras ações do 8 de janeiro

Projetos sobre aborto são inconstitucionais, diz OAB

Em relação aos projetos de lei que tratam do aborto, uma das manifestações partiu da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB), Subseção de Santa Maria. A comissão protocolou na Câmara um parecer contrário à tramitação de dois projetos sobre o aborto. Segundo a entidade, as propostas são inconstitucionais.

O PL 9647/2023 propõe que mulheres grávidas vítimas de abuso sexual “escutem os batimentos cardíacos do nascituro” antes de tomarem a decisão de abortar. Nesse caso, o médico teria que proporcionar à gestante o acesso ao exame de ultrassonografia.

Já o PL 9648/2023  obriga a fixação de cartazes educativos sobre o abordo em unidades hospitalares de Santa Maria e em consultórios médicos. A intenção dos projetos de lei é tentar convencer as mulheres a não abortarem, mesmo nas hipóteses previstas em lei.

RODRIGO DIAS: Aborto legalizado e criminalizado, uma questão de saúde pública

“Tratamento desumano e degradante”

“Cumpre ressaltar que os referidos projetos são flagrantemente inconstitucionais. Isso, pois, que adentram em matéria privativa da União e/ou matéria concorrente da União, Estados e DF, não havendo que se falar em legislação de interesse local. Ademais, acabam por afrontar o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da Constituição da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o art. 1º, III, bem como outros direitos e garantias individuais previstas no texto constitucional”, diz trecho do parecer da OAB.

O documento também destaca que os projetos contrariam diretrizes de atendimento pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). A OAB ressalta, ainda, que eles afrontam “o princípio da dignidade humana”, pois submetem às gestantes que correm risco de morte ou que foram abusadas sexualmente “a tratamento desumano ou degradante”.

Da mesma forma, a Procuradoria Jurídica da Câmara deu parecer contrário aos dois projetos, alegando que eles são inconstitucionais.

Ministro indicado por Lula arquiva ação contra Bolsonaro por omissão na compra de vacina

“Viés de esquerda e perseguição política”, diz vereadora

Roberta criticou os pareceres em sessão na Câmara. Ela também disse ao Paralelo 29 que a posição da OAB “extrapola” as suas atribuições e é uma interferência no seu trabalho.

“A Ordem dos Advogados, ao emitir parecer sobre projetos, processo legislativo, está extrapolando sua atribuição constitucional ao interferir no processo legislativo e na liberdade do vereador e do Parlamento. A Comissão de Direitos Humanos demonstra um viés ideológico de esquerda e desse modo, distorce a legislação e os próprios projetos de lei porque são pautas eminentemente conservadoras, pois defendem a manutenção da vida”, disse Roberta Leitão.

Em suas redes sociais, a vereadora do PP diz que está sendo vítima de perseguição política na Câmara de Vereadores por conta do “Pacote Pró-vida”.

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS), subseção de Santa Maria, protocolou na Câmara de Vereadores um parecer manifestando-se contra a tramitação dos projetos de lei de Roberta Pereira Leitão (PP) sobre aborto. A entidade alega que ambas propostas são inconstitucionais e reivindica que as matérias sejam derrubadas pelo Parlamento. Por outro lado, a parlamentar diz ser vítima de perseguição política.

PL 9647/2023 propõe a possibilidade de mulheres grávidas, vítimas de abuso sexual, terem que ouvir os batimentos cardíacos do nascituro antes de abortar. Já o PL 9648/2023 determina a fixação de cartazes educativos sobre aborto em unidades hospitalares de Santa Maria que realizem a prática e em consultórios médicos onde gestantes são atendidas.

“De plano, cumpre ressaltar que os referidos projetos são flagrantemente inconstitucionais. Isso, pois, que adentram em matéria privativa da União e/ou matéria concorrente da União, Estados e DF, não havendo que se falar em legislação de interesse local. Ademais, acabam por afrontar o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da Constituição da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o art. 1º, III, bem como outros direitos e garantias individuais previstas no texto constitucional”, diz trecho do parecer da OAB.

O documento também destaca que os projetos contrariam diretrizes de atendimento pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Mais grave que isso, inescusavelmente afrontam o princípio da dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, III da CF/88) e o Art. 5º, III da CF/88, pois submetem a gestante – que diante das hipóteses legais ou corre risco de vida, ou foi abusada sexualmente – a tratamento desumano ou degradante. Dada a evidente vulnerabilidade que constitui a gestante em tal condição, não há nenhuma justificativa técnica capaz de fundamentar tal aberração normativa”, diz o parecer.

Ainda segundo a OAB, as propostas são violadoras de direito e pretendem sujeitar a mulher, vítima de violência sexual, a nova violência. O órgão aponta que os projetos nada abordam sobre o amparo psicossocial afetivo às gestantes.

No parecer é ressaltado o Decreto 7.958/13, que estabelece diretrizes para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual por profissionais do SUS, que indica a realização de um atendimento humanizado, respeitando a dignidade da pessoa, a não discriminação, sigilo e privacidade; além de propiciar um ambiente de confiança e respeito à vítima.

“Pode-se notar o total desconhecimento do regramento jurídico nacional ao qual a proponente, ao apresentar tais projetos de lei, se debruça em uma cegueira deliberada. Ao formular tal projeto legislativo, tergiversando sob justificativa inconsistente, objetiva claramente propagar medidas que desestimulem – a qualquer custo e sem qualquer embasamento técnico – o exercício de um direito porparte das vítimas de violência sexual”, diz o parecer.

Por fim, o parecer reivindica que os projetos sejam derrubados de tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

LEIA A ÍNTEGRA DO PARECER DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB/SM.

Perseguição política

Roberta usou a tribuna do Poder Legislativo, na sessão desta quinta-feira (31), para tratar sobre os pareceres da Procuradoria Jurídica do Parlamento, que manifestou-se contrária à tramitação das propostas. Ela ressaltou que é vítima de perseguição política.

Sobre o projeto dos cartazes educativos sobre aborto, ela criticou o procurador jurídico Lucas Saccol Meyne, que estaria promovendo uma partidarização e ideologização da matéria.

“É competência do Município legislar sobre isso, é competência do vereador legislar sobre isso. Não é competência, com a máxima vênia, de o procurador desta Casa decidir sobre mérito do que vai ter no cartaz”, disse a progressista.

Em relação à proposta que abre a possibilidade de mulheres grávidas, vítimas de estupro, terem que ouvir os batimentos cardiácos do nascituro antes de abortar, ela voltou a atacar Meyne, mesmo sem citar o nome do advogado. Ela disse que o parecer jurídico é político e ideológico e ainda criticou o assessor superior da Procuradoria, Fábio Fleck Borba.

“Lembrando que o procurador da Casa é indicação da Mesa Diretora e o assessor jurídico, assessor especial da Procuradoria, é indicação da Mesa Diretora. Um indicado pelo governo Jorge Pozzobom e outro pelo PT”, disse Roberta (Meyne é indicação da gestão tucana e Borba é o indicado pelos petistas – além dos servidores comissionados, a Procuradoria ainda é composta por servidores de carreira e estagiários).

A vereadora ainda disse que é perseguida pela Procuradoria Jurídica por ser líder da oposição e que na sua proposta “faz a ultrassonografia a mulher que quiser”.

Em sua explanação, Roberta não comentou sobre o parecer da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SM.

Abaixo, confira na íntegra a manifestação da parlamentar:

https://youtube.com/watch?v=vvKhbHJr-M8%3Fsi%3DHUtU_3NScgYcDpFT

Aborto Cãmara OAB Pol

Compartilhe esta postagem

Facebook
WhatsApp
Telegram
Twitter
LinkedIn