JOSÉ MAURO BATISTA – PARALELO 29
Um projeto de lei aprovado em sessão ordinária na noite dessa terça-feira (20) pela Câmara de Vereadores chama a atenção por propor a transformação de Santa Maria em “cidade-esponja”, um modelo desenvolvido na China e que ganha cada vez mais espaço no mundo como forma de prevenção contra enchentes e alagamentos.
Proposto pelo vereador Adelar Vargas, o Bolinha (MDB), que já atuou na Defesa Civil do Município e chegou a ser cotado para assumir a pasta de Resiliência Climática no atual governo, o Projeto de Lei Nº 9880 é inspirado em um modelo de paisagismo e construção criado no país asiático.
Chinês criador das cidades-esponja diz que Brasil pode ser referência
Criador do conceito esteve no Brasil em 2024
Em junho do ano passado, quando o Rio Grande do Sul acabava de enfrentar a maior enchente de sua história, o Brasil recebeu a visita do arquiteto e paisagista chinês Kongjian Yu, criador do conceito cidade-esponja, que se utiliza da própria natureza para melhor resistir à ocorrência crescente de tempestades.
“Espero que o Brasil possa ser referência sobre como devemos construir o mundo”, disse Yu, que é professor da Universidade de Pequim.
Ele veio ao país a convite do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para um seminário no Rio de Janeiro que debateu experiências nacionais e internacionais na reconstrução de cidades devastadas por tragédias ambientais.
Adaptação das cidades à crise climática exige mudança de paradigma
Como funciona e o que diz o autor da proposta em Santa Maria
Mas, afinal, como funciona uma cidade-esponja? Teoricamente, essas cidades são projetadas para funcionar como uma floresta, com capacidade de deter, limpar e infiltrar águas usando soluções baseadas na própria natureza.
Na justificativa do projeto de lei, Bolinha cita o paisagista chinês como inspiração para o conceito local de cidade-esponja que pretende difundir.
“O conceito de cidade-esponja foi criado pelo arquiteto paisagista chinês Kongjian Yu e vem sendo aplicado com sucesso em 16 cidades da China, além de outras ao redor do mundo, como Berlim, Copenhague e Nova York. Enquanto a gestão convencional das águas pluviais busca, por meio de drenos e tubulações, simplesmente transportar a água da chuva para rios e mares, a Cidade Esponja busca absorver a chuva e diminuir o escoamento superficial. A água absorvida
pode ser armazenada, limpa e reutilizada”, explica o vereador na justificativa do projeto de lei.
Como exemplo, Bolinha citou o caso do Bairro Nova Santa Marta, na região Oeste. Quando tinha vegetação no local, não havia tanto alagamento. Com o asfaltamento das ruas e a redução da vegetação, as vias começaram a alagar com as chuvas porque não há mais barreiras naturais.
Para situar melhor o leitor a respeito do tema, o Paralelo 29 pesquisou junto à Ecotelhado, uma empresa brasileira especializada nesse tipo de solução, como funciona na prática do conceito de cidade-esponja. Confira no final do texto.
Rio vai adotar mecanismo para controle de enchentes e alagamentos
O QUE PROPÕE O PL DE BOLINHA

Proposta institui o Programa de Prevenção de Enchentes e Alagamentos no âmbito do Município de Santa Maria:
TELHADOS VERDES
- Também chamados de telhados azuis-verdes, são camadas de vegetação instaladas sobre telhados convencionais, que ajudam a reter a água da chuva, melhorar o isolamento térmico dos edifícios e reduzir a emissão de carbono
- A água pode ser reutilizada para regar plantas e jardins. O telhado verde serve para diminuir o impacto no sitema de esgoto pluvial convencional
- Telhados verdes também criam habitats para pássaros e insetos, contribuindo para a biodiversidade urbana
JARDINS DE CHUVA
- São pequenas depressões ajardinadas que coletam e infiltram a água da chuva, filtrando poluentes e promovendo a recarga dos aquíferos
- Esses jardins são frequentemente plantados com espécies de plantas nativas e adaptáveis que podem tolerar períodos de inundação e seca. Eles são uma solução eficiente e estética para gerenciar o escoamento de água em áreas urbanas
VALAS OU TRINCHEIRAS DE INFILTRAÇÃO
- Sistema usado para receptação das águas do escoamento superficial e para armazenamento temporário, proporcionado a infiltração destas no solo e reduzindo os volumes e vazões para os sistemas convencionais
BUEIROS ECOLÓGICOS
- Sistema de bueiros instalados em vias públicas para armazenamento temporário dos resíduos das vias, impedindo o ingresso destes nas galerias subterrâneas
OUTRAS SOLUÇÕES DAS CIDADES-ESPONJA
. LAGOS E PÂNTANOS ARTIFICIAIS
- são criados para armazenar grandes volumes de água da chuva e fornecer habitats para a vida selvagem
- Esses corpos d’água ajudam a regular o fluxo da água, reduzindo o risco de inundações durante períodos de chuvas intensas
- Esses corpos d’água ajudam a regular o fluxo da água, reduzindo o risco de inundações durante períodos de chuvas intensas Além disso, eles melhoram a qualidade da água ao permitir a sedimentação de partículas suspensas e a absorção de nutrientes pelas plantas aquáticas
PAVIMENTOS PERMEÁVEIS
- São uma solução prática para reduzir o escoamento superficial e aumentar a infiltração de água no solo. Esses pavimentos são feitos de materiais porosos que permitem a passagem da água, como concreto permeável e blocos intertravados
- São utilizados em calçadas, estacionamentos e ruas para mitigar o impacto da impermeabilização do solo
Sistemas de Biorretenção e Biofiltração
- São áreas especialmente projetadas para capturar e tratar a água da chuva
- Esses sistemas geralmente consistem em depressões ajardinadas que filtram a água através de camadas de solo, areia e vegetação, removendo poluentes antes que a água seja infiltrada no solo ou liberada em corpos d’água.
- Essas áreas não só ajudam a gerenciar o escoamento da água, mas também melhoram a qualidade da água e promovem a biodiversidade
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Quais são as vantagens das cidades-esponja?
As cidades-esponja, segundo a Ecotelhado, empresa brasileira que trabalha com essse conceito, oferecem uma série de vantagens que vão além da simples gestão da água da chuva.
Essas áreas urbanas inovadoras promovem a sustentabilidade ambiental, melhoram a qualidade de vida dos habitantes e aumentam a resiliência às mudanças climáticas. A seguir, algumas das principais vantagens das cidades-esponja.
1. Redução de Enchentes
A principal vantagem das cidades-esponja é a redução do risco de enchentes urbanas. Ao aumentar a permeabilidade do solo e a capacidade de retenção de água, essas cidades mitigam o impacto das chuvas intensas e previnem inundações que podem causar danos significativos às infraestruturas e à população.
2. Melhoria da Qualidade da Água
As cidades-esponja contribuem para a melhoria da qualidade da água ao filtrar poluentes e sedimentos através de sistemas de biorretenção e biofiltração.
Esses sistemas ajudam a remover contaminantes da água da chuva antes que ela seja infiltrada no solo ou liberada em corpos d’água, protegendo os recursos hídricos e promovendo a saúde dos ecossistemas aquáticos.
3. Promoção da Biodiversidade
Infraestruturas verdes e azuis nas cidades-esponja criam habitats para uma variedade de espécies de plantas e animais, promovendo a biodiversidade urbana.
Esses espaços verdes oferecem refúgios para a vida selvagem e contribuem para a conservação da flora e fauna nativa, enriquecendo a ecologia urbana.
4. Melhoria do Microclima
As cidades-esponja ajudam a regular o microclima urbano ao aumentar a evapotranspiração e reduzir o efeito de ilhas de calor.
A vegetação presente em parques, jardins e telhados verdes resfria o ambiente através da transpiração e sombreamento, melhorando o conforto térmico e a qualidade do ar.
5. Benefícios Sociais e Recreativos
Parques, jardins e outras áreas verdes nas cidades-esponja proporcionam espaços recreativos e de lazer para a população. Esses espaços melhoram a qualidade de vida dos habitantes, promovem atividades físicas e oferecem oportunidades de interação social, fortalecendo o senso de comunidade e bem-estar.
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O que a proposta pode significar na prática em Santa Maria
O projeto de lei aprovado pela Câmara de Vereadores ainda passará pelo crivo do Executivo Municipal, que poderá sancioná-lo, vetá-lou silenciar sobre o assunto.
De qualquer forma, se a proposta do vereador Bolinha virar lei municipal não significará, de imediato, uma revolução na construção civil, até porque não cria obrigação alguma.
A proposta busca implementar, em nível municipal, o conceito de cidade-esponja, oferecendo soluções que podem ser aplicadas.
Na prática, por exemplo, a Prefeitura de Santa Maria poderá passar a exigir, em licitações de obras públicas, como pavimentação de ruas, construções de parques e praças, em edificações e na revitalização de espaços públicos, que as empreiteiras utilizem o conceito.
Também poderá lançar programas incentivando que a iniciativa privada implante esse tipo de tecnologia em empreendimentos imobiliários, como novos prédios e condomínios residenciais.
E, por fim, algumas previsões poderão ser feitas no Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial e na legislação que regra a construção civil no município.
