Paralelo 29

Irmã Lourdes: Mérito Farroupilha para uma trajetória de 35 anos

Foto: Facebook, Reprodução

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul entregará, neste sábado (2), a Medalha do Mérito Farroupilha à irmã Lourdes Dill, que coordenou iniciativas de combate à exclusão e à fome durante 35 anos em Santa Maria. A homenagem ocorrerá durante a celebração dos 30 anos do Feirão Colonial.

O deputado estadual santa-mariense Valdeci Oliveira (PT), presidente do Parlamento gaúcho, entregará a distinção neste sábado, às 9h30min, em solenidade no Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter, na Rua Heitor Campos, sem número, no Bairro Nossa Senhora Medianeira, em Santa Maria.

Em dezembro, quando ainda não havia sido empossado como presidente da Assembleia Legislativa, Valdeci esteve em Santa Maria e anunciou à irmã Lourdes que ela seria homenageada com a maior distinção do Parlamento estadual.

“É uma deferência justa e merecida para quem nunca soltou a mão das pessoas mais carentes de renda, de oportunidades e de dignidade. Certamente, será um momento de muito orgulho para ela, mas também para a Assembleia Legislativa. O nosso desejo era de que ela ficasse em Santa Maria, pois a irmã lidera uma ação coletiva e social que cresce, se fortalece e consegue produzir inclusão mesmo nos momentos mais difíceis. Mas eu tenho certeza que o legado dela terá continuidade e que ela vai colaborar muito também na nova Diocese, lá no Maranhão”, disse o então futuro presidente da Assembleia.

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Religiosa evita entrevistas, mas fala sobre homenagem

Desde que a Arquidiocese anunciou sua transferência, irmã Lourdes tem evitado entrevistas sempre que pode. A aliados e amigos, a religiosa teria pedido que amenizassem o tom das críticas ao arcebispo, em nome do projeto.

Sobre receber a Medalha do Mérito Farroupilha, irmã Lourdes não esconde sua alegria de se despedir do Rio Grande do Sul com esse reconhecimento e com as manifestações de apoio que tem recebido.

“Estes 35 anos foram um tempo fértil, fecundo, desafiador, de importantes lutas, buscas e construção coletiva, colegiada e interativa. Nada foi em vão. Juntos plantamos, cultivamos e juntos colhemos frutos vigorosos para a vida. Ao longo destes 35 anos muitos sonhos foram realizados, e os frutos das utopias, colhidos. É este o legado de uma utopia chamada esperança, por onde passaram milhares de pessoas, consumidores e multidões, especialmente pelas 28 edições das Feiras Nacionais e Internacional do Cooperativismo e de Economia Solidária e pelo Feirão Colonial aos sábados e nos empreendimentos urbanos e rurais”, disse a religiosa.

Valdeci entregará Mérito Farroupilha à irmã Lourdes Dill/Foto: Reprodução, TV Assembleia

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Live, em 26 de março, teve presença de artistas e lideranças

No sábado passado, 26 de março, artistas, lideranças e políticos participaram de uma live em homenagem à religiosa. Os músicos Antonio Gringo e a dupla Gisele e Maninho cantaram para homenagear irmã Lourdes. Políticos como o ex-governador Olívio Dutra (PT) deram depoimentos destacando a trajetória da coordenadora.

Os canais da TV Ovo e da H20 no Youtube transmitiram a live realizada por iniciativa do Comitê Popular em Defesa da Economia Solidária de Santa Maria.

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A MEDALHA

  • Criada em 1995, a condecoração é a distinção máxima da Assembleia Legislativa gaúcha e do Estado do Rio Grande do Sul concedida a pessoas que contribuíram para o desenvolvimento econômico, social e cultural dos gaúchos
  • A medalha tem uma faixa com as três cores da bandeira do Rio Grande do Sul (amarelo, vermelho e verde) e uma estrela de oito pontas

Aos 70 anos de idade, irmã Lourdes Dill se despede de Santa Maria neste sábado. Em dezembro do ano passado, a Arquidiocese de Santa Maria anunciou a transferência da religiosa para o município de Barra do Corda, pertencente à Diocese de Grajaú, no interior do Estado Maranhão.

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Transferência gerou polêmica

A transferência de irmã Lourdes, segundo o arcebispo diocesano de Santa Maria, dom Leomar Brustolin, ocorreu devido a uma decisão da congregação Filhas do Amor Divino, à qual a freira gaúcha pertence.

Entidades, instituições, partidos políticos e organizações dos movimentos sociais que se manifestaram contra a transferência de irmã Lourdes prometem comparecer em peso na homenagem da Assembleia Legislativa.

Além de Valdeci, o deputado federal Paulo Pimenta (PT), que também é de Santa Maria, já confirmou presença no evento deste sábado. Valdeci e Pimenta eram vereadores em Santa Maria e estavam em seu primeiro mandato quando o Feirão Colonial nasceu, em 1º de abril de 1992.

Os dois políticos de Santa Maria acompanharam a trajetória de irmã Lourdes à frente do Banco da Esperança e do Projeto Esperança/Cooesperança, da Arquidiocese de Santa Maria.

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35 anos no Coração do Rio Grande

Irmã Lourdes chegou no Coração do Rio Grande quando Santa Maria ainda era uma Diocese, e o bispo diocesano, dom Ivo Lorscheiter, responsável pela criação de projetos de inclusão e de economia solidária na região.

A partir desse projeto de dom Ivo, surgiram na cidade e na região grupos de agricultores familiares organizados em torno da chamada economia solidária e que acabaram dando origem a eventos como a Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop) e outras iniciativas paralelas realizadas uma vez por ano.

O anúncio da transferência de irmã Lourdes e de mudanças na coordenação do Projeto Esperança/Cooesperança pegou muita gente de surpresa. Campanhas ganharam corpo nas redes sociais pedindo para a Igreja Católica rever a decisão e reconsiderar a saída da religiosa de Santa Maria.

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Decisão da Igreja teve repercussão

No entanto, apesar dos apelos de lideranças de organizações sociais, principalmente segmentos ligados ao cooperativismo, à economia solidária e a pequenos agricultores, a Arquidiocese de Santa Maria manteve a decisão.

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De acordo com fontes ouvidas pelo Paralelo 29, dom Leomar Brustolin, que é o chefe da Igreja Católica na região, estaria viajando e não deverá comparecer na celebração deste sábado.

Além de indignação de aliados e simpatizantes, a transferência de irmã Lourdes gerou especulações sobre uma suposta represália de alas à direita da Igreja Católica local devido ao engajamento da freira com causas sociais e seu alinhamento a partidos de esquerda, principalmente o PT, e a organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que participa das feiras com feirantes de assentamentos rurais.

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Há quem a chame de “freira vermelha”

Em discussões nas redes sociais nos últimos meses, grupos contrários às ideias da religiosa comemoraram a transferência e apoiaram a decisão do arcebispo, enquanto aliados lamentaram.

Por sua militância em torno da economia solidária e sua proximidade com políticos e lideranças de esquerda, irmã Lourdes é vista como uma “agente comunista”. Há, inclusive, quem se refira a ela como “a freira vermelha”.

As articulações de irmã Lourdes com movimentos nacionais trouxeram figuras bastante conhecidas da esquerda gaúcha, nacional e mundial a Santa Maria para participar da Feicoop Integrantes dos governos dos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff eram presença certa nas edições da Feicoop e feiras paralelas.

Irmã Lourdes com o então governador Tarso Genro (PT) em 2014, no Centro de Referência Dom Ivo/Foto: Alina Souza, Especial, Palácio Piratini

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Bandeiras de esquerda

Em 2015, por exemplo, o economista austríaco radicado no Brasil Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária do governo Dilma e um ícone da esquerda latino-americana, foi uma das atrações da 22ª Feicoop, juntamente com o ex-vice-governador gaúcho, Miguel Rossetto, à época secretário-geral da Presidência da República.

Antes disso, em 2013, irmã Lourdes se encontrou pessoalmente com o ex-presidente Lula e o convidou para vir a Santa Maria participar da Feicoop, que estava completando 20 anos, bem como do 2º Fórum Social e da 2ª Feira Mundial de Economia Solidária, todos eventos coordenados por ela.

Devido à maior participação de parlamentares de esquerda, majoritariamente ligados ao PT, a Feicoop é vista por alguns segmentos como palanque eleitoral do petismo. Marchas, palestras, debates, cursos e manifestações tinham à frente lideranças vinculadas a movimentos sociais, reforçando o caráter de feira anticapitalista.

Nas feiras, por exemplo, há algumas restrições, como a proibição da venda de bebidas alcoólicas e de refrigerantes. Em algumas edições, até mesmo uma moeda própria chegou a circular.

A ideia de lucro como fruto da exploração do trabalho não é bem vista pelos organizadores das feiras, que também rejeitam os chamados produtos industrializados e do agronegócio.

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Capital da Economia Solidária

Contudo, a Feicoop deu a Santa Maria o título de Capital da Economia Solidária por reunir, todos os anos, na cidade, artesãos, agricultores familiares, indígenas e expositores de vários estados brasileiros e até mesmo de fora do Brasil. E , anualmente, movimenta a economia local, sobretudo na rede hoteleira, bares e restaurantes, com gente de fora.

A pandemia de Covid-19 afetou os eventos presenciais, que tiveram de ser cancelados. No entanto, mesmo durante uma das fases mais agudas da pandemia do coronavírus, em 2020, o Projeto Esperança/Cooesperança realizou a feira, porém em um formato totalmente online.

Em 2021, Feicoop voltou a ser presencial, mas manteve programação online/Foto: José Mauro Batista, Paralelo 29

Esse novo modelo implantado por uma necessidade momentânea, de certa forma, acabou ampliando ainda mais o alcance da proposta. No ano passado, a Feicoop voltou a ser presencial com protocolos que reduziram a estimativa de público (conforme divulgado pelos organizadores). Mesmo assim, manteve lives e parte da programação online.

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Após retiro, irmã viajará em 2 de maio

Segundo integrantes do Comitê Popular em Defesa da Economia Solidária, depois da homenagem deste sábado irmã Lourdes fará um retiro, retornando a Santa Maria no dia 28 de abril para acertar os últimos detalhes de sua mudança.

A viagem para o Maranhão está prevista para 2 de maio, quando a ex-coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança deixará definitivamente a cidade que a acolheu por mais três décadas.

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