Paralelo 29

Os guascas cervejeiros

Foto: Marcelo Camargo, Agência Brasil

ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA – ESCRITOR

Os dois tauras eram amigos – desde a mais tenra infância –, mas a cor dos lenços que usavam era diferente. Como sabemos, antagônicas. Um deles era maragato de pai, avô e bisavô e se chamava Honório. O outro era chimango de todos os costados possíveis e se chamava Antônio.

Mas eram grandes amigos. A divergência por conta da cor do lenço ficara no passado com os antepassados de cada um.

Honório e Antônio eram apreciadores de cerveja e metidos a entendedores. Eram mestres cervejeiros da estirpe gaudéria. Com pós-graduação no boteco do Getúlio. Então, chegamos numa sexta-feira após um grande “sextou” de parte a parte na fazenda e o encontro no “Bar do Bolichão” do amigo Getúlio, que aliás, não era maragato e nem chimango.


A discussão sempre era a mesma. Uma baita infinda divergência entre Honório e Antônio.
Para um dos debatedores a cerveja IPA era a melhor de todo o Pampa gaúcho, uruguaio e argentino. Para o outro a APA era a melhor de toda a pampa, serra e missões do grande Rio Grande de São Pedro.


E assim avançaram na noite. Cada um deles tomava a cerveja do outro para depreciá-la.
Antônio tomava a APA de Honório e Honório tomava a IPA de Antônio.


– Como é que tu pode gostar de uma porcaria dessas – e empinava um copo de APA – falava Antônio.
– Como é que tu pode gostar de uma porcaria dessas – e empinava um copo de IPA – retrucava Honório.
E não chegavam ao consenso.
Um tomando a APA do outro e o outro tomando a IPA do um.
– Mas é uma bosta esta APA…
– Mas que merda de IPA…
Um tomando a APA do outro e o outro tomando a IPA do um.


A certa altura daquela lenga-lenga etílica, o garçom que não tinha nada a ver com o embate começou a servir Schincariol misturada com Popokelvis. E os dois guascas continuavam debatendo qual era a pior cerveja: um tomando a APA do outro e o outro tomando a IPA do um. E criticavam o péssimo gosto cervejeiro do outro.


Um tomando a APA do outro e o outro tomando a IPA do um.
Noite alta chegou um taura desconhecido com um lenço preto ao pescoço e pediu uma EPA.


– Epa! – falaram em uníssono.
– Só pode ser coisa de correntino! – concluiu Honório.
– Nem sabia que existia – disse o garçom.
– Existe “English pale ale” e é ótima.
– Getúlio! Traz uma EPA pra nós – falou Antônio.
– Opa! Gaudérios, não temos EPA. Só IPA e APA.
O assunto morreu na hora, o gaúcho do lenço preto pediu uma Polar puro malte e os dois continuaram na IPA e na APA.
Um tomando a APA do outro e o outro tomando a IPA do um.
IPA e APA.
IPA e APA.
IPA e APA.
– Epa! – gritou o gaúcho do lenço preto.


Mas não era um pedido de cerveja e, sim, porque os mestres cervejeiros guascas haviam caídos das cadeiras e estavam estatelados no chão do boteco.


E foi aquela correria no bar do Getúlio. Depois de terem tomados tudo que era IPA e APA do bar, Antônio e Honório foram socorridos em coma alcoólico na UPA.

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