Paralelo 29

EICHBAUM: O Artigo 37

Foto Lula Marques/ Agência Brasil.

JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR

Não vamos falar de automóveis que custam R$ 358.000,00, tipo Audi 4S Line, híbrido, potência de 203 cavalos, motorização mínima nominal 2.0, câmbio automático, com distância de 2.820mm, comprimento de 4.760mm, largura de 1.846mm, altura de 1.400mm, capacidade para cinco pessoas, quatro portas laterais, direção elétrica ou hidráulica.

Cinco desses carrinhos, somando R$ 1.790.000,00 por conta dos contribuintes, eram objeto de desejo do Tribunal de Justiça do RS. Mas, uma ação popular, embora atrofiada pela ausência da direção do Tribunal no polo passivo, arrastou o negócio para a fila dos desejos adiados.

Vamos falar de coisas amenas, recordar o vernáculo, o significado de alguns vocábulos desconhecidos, embora tenham sido usados no artigo 37 da Constituição “cidadã” do finado Ulysses Guimarães.

Quem domina o idioma português e por isso não tem dificuldades com a hermenêutica no Direito, às vezes fica pensando que os peixes engoliram também esses vocábulos.

Moralidade e impessoalidade são palavras fora de uso na administração pública brasileira. Mal o doutor Ulysses morreu, essas palavras sumiram do vocabulário de muitos agentes públicos.

Em nome de uma coisa chamada “governabilidade”, os políticos preferem os versos de Francisco de Assis, “é dando que se recebe”, como se a política fosse suruba, ao invés das palavras que o finado escreveu no artigo 37 da Constituição cidadã: “a administração pública direta ou indireta de qualquer um dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”.

Jair Bolsonaro até tentou fugir do imperativo dessa “governabilidade”, que não passa de um eufemismo para a “politicagem”. Mas não aguentou o tranco e se entregou ao velho vício.

Já Lula, doutor que é  em “diálogos e acordos”, faz uso dele, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Para obter a maioria na aprovação de seus projetos, ele não mostra o mínimo acanhamento.

De seu dicionário foi varrida a palavra “escrúpulo”, substituída pela expressão “toma lá e dá cá.” Então, em troca de votos, chovem verbas e cargos.

Mas, vamos aos vocábulos esquecidos, ou ignorados por aqueles que só sabem ler na superfície. A moralidade não comporta um conceito absoluto, que valha para o planeta inteiro, no tempo e no espaço.

Mas, no que diz respeito à administração pública em sistema democrático, ela se desfaz dessa relatividade, por uma razão muito simples: quem lida com o dinheiro do povo têm a obrigação de fazer o melhor pelo povo.

A força da moralidade traz consigo a impessoalidade. Os servidores públicos exercem seus cargos a serviço das instituições, e não para tomar delas o que não podem dar para o povo, como, por exemplo, “segurança pessoal”. Toda a lei, decreto ou norma que beneficie a pessoa do servidor, do faxineiro ao presidente da República, é inconstitucional.

Mas, pouquíssimos são os que não se deixam deslumbrar pelo poder, pelo “status” de autoridade. Pouquíssimos são os que, atrelados ao art. 37, não posam de ricos, enquanto o tempo não chega para desfazer suas ilusões.

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