ALESSANDRA CAVALHEIRO – JORNALISTA
Não sei o que é uma vida sem bichos. Sempre tive cães e não abro mão do seu amor incondicional. Sou uma criatura que, quando passa de um cômodo para outro, tem uma fila de amigos interessados e fiéis atrás. Portanto, jamais estarei sozinha. No momento, a matilha tem cinco cães, mas hoje quero contar sobre minhas velhinhas. Lala, 15, e Mimosa, 16 anos.
Lala é uma pinscher com cruza de alguma coisa braba que vai completar 15 anos em janeiro de 2024. Tem a tradicional fúria com tremedeira da raça, e quando saímos para passear, é ela que me carrega.
Temida por todos os motoboys que chegam, Lala só tem um dente. E ele tem nome: abridor de latas. Quem batizou foi o entregador do gás, que chega a tremer quando vê a criatura. Sim, aquele homem forte, acostumado a carregar os botijões.
Lala também tem o apelido de ‘Gremlin’, e se justifica quando está possuída pela fúria. Certamente, nossa segurança em casa é garantida por ela. É daquelas que chega a planar no ar enquanto dispara desaforos a qualquer vivente que esteja inocentemente passando em frente à casa.
A pequena foi escolhida na OLX pela minha irmã e a ideia era pegar algum que ninguém iria querer. Contam que Lala só comia salsicha, e realmente, parecia ficar eternamente em exibição na internet.
Pela aparência muito pouco privilegiada, minha irmã decidiu pensar um pouco mais. Dias depois, Lala reaparece em sua frente na OLX e minha irmã tem a certeza. É ela.
Mas Lala tem o amor na mesma medida da fúria, e isso faz dela um ser especial. A valentia com menos de três quilos enche a casa, a vida e o coração da gente. Portanto, Lala não morrerá jamais.
Mimosa tem uma história peculiar, digna de registro. Sua concepção ocorreu na porta de um templo budista, em Viamão.
A mãe, Shamata (nome da principal prática meditativa do local), e o pai, Milton Leite (grande e branco, com todo o respeito ao colega jornalista). Sim, eles se amavam na porta do templo, enquanto ocorria um retiro espiritual.
Contam os meditantes que Mimosa foi a última da ninhada a ser adotada. Muito quieta, com um olhar profundo, não apresentava a mesma vivacidade dos irmãos. Então, o lama a batizou e abençoou: Mimosa.
Mimosa vivia com os praticantes do budismo, que seguidamente entravam em retiro solitário e se ausentavam de casa. Por isso, ela passou por várias famílias, até que foi adotada por minha tutora no budismo. Os demais cães da vila a agrediam porque ela parecia não ter dono, já que seus tutores sempre acabavam entrando em retiro.
Foi o caso de minha tutora, que entrou para um retiro solitário, e Mimosa, mais uma vez, ficou sem rumo certo. Até que o lama determinou: Mimosa deveria vir pra Floripa para não sofrer as represálias dos demais bichos. Um dia, minha tutora estava prestes a viajar e pediu que eu cuidasse da Mimosa. Fui lá, peguei e para sempre estaremos juntas.
Quando a adotei, ela sofreu muito a falta da tutora, mas logo se adaptou. Tinha seis anos, hoje tem 16. A catarata a cegou de um olho, o outro está bem prejudicado.
As marcas do tempo estão em seu corpinho de pelos brancos misturados com cinza e amarelado. Mimosa pode ser chamada de autossustentável. Se vira, nunca incomodou. Apenas precisa de comida, água e amor para viver. Com a bênção dos budas, que ela viva para sempre.
Para não sucumbir a esses tempos de degenerescência, preciso contar as histórias dos meus bichos. É um bálsamo, eles são nossos amigos. Não tenho armas, tenho amigos.
Nós os curamos, eles nos curam. Observo a divindade nas coisas e seres, e bem especialmente, nos animais. Ah, sãos milhões de razões que temos para ser gratos. Eles nos protegem e nos amam de uma forma que jamais iremos imaginar.