ALESSANDRA CAVALHEIRO – JORNALISTA
Diante do número absurdo de quatro homicídios em 12 horas em Santa Maria, decidi refletir um pouco sobre a morte. O tema é espinhoso, porque sim, todos tememos que isso aconteça, e não gostamos nem de imaginar as perdas que certamente teremos. E teremos, porque ninguém sai incólume desta vida.
Olhamos a violência atroz e percebemos que ninguém está seguro. Um assalto, um mal-entendido e puff! Desaparecemos.
Lendo sobre o estoicismo, uma escola de filosofia helenística em Atenas, no início do século 3 A.C., aprendemos que o imperador Marco Aurélio era respeitado por ter uma forma mais humana de pensar e ele deixou ensinamentos valiosos.
O que mais me toca nesse tema é que, quanto mais e melhor encararmos a realidade inequívoca da morte, mais teremos chances de viver melhor. Pense nesta frase de Marco Aurélio: “Que cada coisa que você faça, fale, seja ou pretenda ser, seja como se você estivesse à beira da morte.”
Por que à beira da morte? Porque ali está toda a essência da nossa vida, visto que não há mais tempo a perder e sentimos uma grande necessidade de resolver as coisas para irmos com a paz interna que passamos a vida toda buscando, mas achando que teríamos muito tempo. Não temos.
É preciso resolver as inimizades, os mal-entendidos, estar em paz com o corpo físico, enfim, é preciso resolver esta vida antes de morrer.
Precisamos resolver a vida agora, no sentido de sermos seres humanos melhores, e de lapidarmos sem parar as arestas do nosso caráter, trabalhar virtudes, ter empatia com o outro, parar de destruir o ambiente em que vivemos, buscar instrução sobre as melhores formas de viver. Olhar para os outros como irmãos, vindos da mesma fonte criadora da vida.
A vida é muito mais preciosa do que pensamos. Se tivéssemos essa noção, não estaríamos adoecendo por maus hábitos, nem morrendo em meio à violência.
Os desafios para cumprir o ODS 16
Fiel aos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), e à Agenda 2030, chamo atenção aqui para o objetivo 16: “Paz, Justiça e Instituições Eficazes – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.
A redação oficial é bela, mas parece um sonho distante no Brasil. Aliás, quando falamos em paz, certas pessoas cheias de ódio acham um horror, um absurdo, porque precisam da guerra e dos conflitos para manter seus egos bem inflados ao mostrar seu poder. Mas ao menos podemos trabalhar em nós para que a paz e a justiça sejam realidade.
Segundo o mais recente Relatório Luz, que mostra como está o alcance dos objetivos, o ODS 16 teve apenas uma das 12 metas com progresso, embora insuficiente (a eleição de mulheres cisgêneras e transgêneras para parlamentos nacionais). E nove delas estão em retrocesso, duas estagnadas na situação verificada em 2021.
Números da violência
O documento aponta que em 2022 foram registradas 47.508 mortes violentas intencionais (homicídios dolosos, feminicídios e assassinatos de policiais, roubo e ou lesão corporal seguidos de morte, e mortes decorrentes de intervenções policiais), mantendo o perfil das vítimas – 8,6% de mulheres e 91,4% homens nos óbitos violentos em geral, sendo que 50,3% tinham entre 12 e 29 anos.
Sobre mortes cometidas em intervenções policiais, 99,2% foram vítimas masculinas das execuções praticadas por agentes de segurança e 75% tinham entre 12 e 19 anos de idade. Nos latrocínios, 25% das vítimas tinham mais de 60 anos e 46,9% tinham entre 35 e 59 anos.
Com a ineficiência da “guerra às drogas” sob perspectiva repressora e reacionária, o tráfico segue sendo negócio lucrativo que leva à morte jovens e policiais, principalmente negros. Em 2022, foram 172 assassinatos de policiais civis.
É assustador quando se fala que registros de violência em todas as suas formas contra crianças e adolescentes cresceram. Até junho de 2022, o Disque 100 recebeu 197.401 denúncias de violência contra crianças de até 9 anos, contra 186.862 no ano anterior, com a maioria dos casos ocorrendo no ambiente doméstico e contra vítimas pretas ou pardas. Veja todas as edições do Relatório Luz aqui.
O que eu posso fazer?
O trabalho pela paz, em primeiro lugar, é interno. O ódio é uma emoção destrutiva que não serve para absolutamente nada, a não ser para que haja mais mortes.
Há muitas formas de se trabalhar as emoções internamente. Terapias, cultivo da espiritualidade, conhecimento por meio de leituras, cursos, enfim.
O importante é estarmos na busca que não termina, para que um dia, possamos juntar a nossa paz com a das pessoas ao redor, fortalecendo essa corrente e nunca mais deixando que ela se quebre.