JOÃO EICHBAUM – ADVOGADO E ESCRITOR
Cleriston Pereira da Cunha morreu. Ele estava preso na Penitenciária de Papuda por conta de um inquérito judicial, transformado em ação penal pelos próprios ministros que o instauraram.
Assim: juízes instauram o inquérito, remetem-no para a Procuradoria Geral da República, recebem a denúncia e julgam os réus.
Por conta desse inquérito foram presas mil pessoas, acusadas de fazerem parte “de um grupo que invadiu o Congresso durante os ataques, quebrando vidraças, espelhos, móveis, lixeiras, computadores, obras de arte e câmeras de seguranças”.
Evidentemente, uma única pessoa não poderia fazer todo esse estrago de uma vez só, em pouco tempo, porque tem apenas dois braços e não tentáculos de polvo.
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Para introduzir essa barbaridade no mundo do Direito, o inquérito alugou uma teoria de que não se ocupa o Código Penal Brasileiro, porque não a permite a Constituição: a teoria da culpa coletiva.
A individualização da pena é um princípio constitucional. Por força desse princípio, a menos que seja o mandante, ninguém pode ser condenado, sem que a denúncia se ocupe de circunstâncias que permitam identificar a atitude individual de cada um dos participantes de atos criminosos.
No caso acima narrado, se trata, evidentemente, de múltiplos atos que geraram danos materiais no patrimônio público, e nada mais.
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Ora, a denúncia requer exatidão e não generalidades, exatamente porque não há outra forma que leve o procedimento judicial a desembocar na individualização da pena.
Em razão disso, o artigo 41 do Código de Processo Penal determina que a denúncia especifique o fato delituoso, com todas as suas circunstâncias.
Não é por melhor razão que, com relação à individualização da pena, uma evidência, escorraçando qualquer dúvida, deflui do artigo 29 e seus §§1º e 2º do Código Penal: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas cominadas, na medida de sua culpabilidade; se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço; se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.
Por aí se vê: a face revelada desse procedimento a que se entregou o Supremo é de algo que está muito longe de ser reconhecido como o “devido processo legal”, consagrado na Constituição Federal como um dos direitos fundamentais dos seres humanos.
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Esse é exatamente o lado forte da “teoria da culpa coletiva”: a preponderância do Poder do Estado sobre os direitos individuais, a anulação das necessidades individuais diante dos objetivos do Estado.
Tudo na contramão da Constituição Federal brasileira, em cujo artigo 5º estão consagrados os direitos do indivíduo contra a prepotência do Estado, a começar com o direito à vida. E não há direito à vida, sem direito à saúde.
Cleriston Pereira da Cunha, clamou por esse direito, secundado pela Procuradoria Geral da República, titular da ação penal. Mas, no lôbrego espaço do Poder Judiciário, seu clamor foi tragado pelo silêncio.